quinta-feira, 3 de março de 2016

Centro Comercial de Belém

A substituição de António Lamas por um boy de avental no CCB foi talvez mais do que uma das prepotências com que o PS costuma entregar-se à gestão da coisa pública. Antes fosse. O problema é maior, parece-me. 
O mandato de Lamas, em circunstâncias normais, terminaria em Dezembro de 2017. Ora, segundo o protocolo que há dez anos o então Primeiro-Ministro José Sócrates assinou com Joe Berardo para instalar a famosa colecção do comendador no CCB, o Estado português está obrigado a exercer o direito de preferência sobre a dita colecção até ao fim de 2016, ou Berardo pega nos oitocentos e tal quadros e esculturas e leva-os sabe-se lá para onde. Em circunstâncias normais, como aquelas que deveriam rodear o fim do mandato de Lamas, o Governo e Berardo começariam, pois, a negociar o futuro da colecção em meados do corrente ano. Ou seja, daqui a três meses.
Mas João Soares é um espírito livre e não gosta de circunstâncias normais. Primeiro, mal chegou à Ajuda, anunciou que a prioridade da sua política (chamemos-lhe assim) seria impedir a saída da colecção Berardo para o estrangeiro, uma das ameaças recorrentes do comendador. Por outras palavras, comunicou-lhe publicamente que podia pedir o preço que quisesse porque o Governo, se ameaçado, estaria sempre disposto a pagar. Brilhante. Depois, demitiu a pessoa que tem acompanhado o processo nos últimos anos, com expressas reservas quanto ao seu desfecho, a poucas semanas do início  formal das negociações. Mais brilhante ainda.
Recordo que a última avaliação conhecida da colecção, feita pela Christie´s exactamente em 2006, apontava para um valor total de 316 milhões de euros. Duas vezes mais do que o orçamento anual do Ministério da Cultura. Dez vezes mais do que os 80 Mirós do BPN. Cem vezes mais do que o Crivelli de Paes do Amaral. Para os quais nunca houve dinheiro. Tendo em conta o génio negocial de João Soares, é provável que Berardo venha a pedir ainda mais quando as negociações começarem. E é também provável que António Lamas fosse um obstáculo a este tipo de lei do mercado à socialista, como seria qualquer não-boy-do-avental. 
Talvez agora se perceba a pressa em demitir Lamas. Só não se percebe se o PS deve mesmo tantos favores a Berardo ou se Berardo é mesmo o preço a pagar pela política cultural (chamemos-lhe assim) do PS.   

6 comentários:

  1. Caríssimo Pedro, há uma solução rápida e eficaz a bem da Nação e em prol da Cultura: troca-se a colecção do insigne comendador «Bera» pela Caixa Geral de Depósitos e fica quitada a pública dívida privada do fantástico mecenas insulano...

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  2. A direita faz tanto barulho com as nomeações dos governos do PS e tão pouco ou nenhum barulho com as nomeações do PSD/CDS que eu conclúo que a direita se julga proprietária do Estado.

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    1. Pois, é o chamado efeito de espelho. E "concluo" não tem acento.

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  3. Catullus in Carmen 16
    Pedicabo ego vos et irrumabo.

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