terça-feira, 16 de setembro de 2014

A circunstância

O Dr. Vicente já trouxe à colação, citando o Vasco Lobo Xavier, a nova moda entre ex-ministros socialistas: invocar a "circunstância" de terem sido ex-ministros socialistas para pôr em causa sentenças judiciais. Depois de Vara ter celebrizado tal atenuante (embora os "pistoleiros do costume" insistam em atribuir a sua condenação a uns robalos e outras minudências), ontem foi Maria de Lurdes Rodrigues, condenada pelo crime de prevaricação, a queixar-se de perseguição política. Parece que a sentença "põe em causa princípios básicos do Estado de Direito e do regime democrático", nem mais nem menos, e "viola o princípio de separação de poderes". Augusto Santos Silva, que foi testemunha abonatória, limita-se a dizer, com elegância, que a sentença é "totalmente absurda" e mera "opinião política". João Pedroso, que não é ex-ministro mas foi objecto da dita prevaricação, não diz nada, como se compreende. Afinal, não lhe deve sobrar tempo para dizer muita coisa: em regime de exclusividade numa universidade pública e dispensado de dar aulas para fazer o doutoramento, recebeu 118 mil euros do Ministério da Justiça por serviços de consultoria  e 265 mil euros do Ministério da Educação para compilar legislação, dos quais teve que devolver metade por não ter concluído o trabalho.
Mas isto são os robalos e minudências que os pistoleiros aproveitam logo para denegrir gente de bem. O que interessa é a doutrina. E a doutrina é clara: se os tribunais prendem e condenam ex-políticos do PSD, por exemplo Duarte Lima ou Isaltino, fez-se justiça; se os tribunais prendem e condenam ex-políticos do PS, por exemplo vocês sabem de quem é que eu estou a falar, a democracia está em perigo. Porque um socialista, já se sabe, é por definição inocente - mesmo depois de condenado. Ao contrário dos lacaios do capital, os socialistas dedicam a sua vida à utopia, aos pobrezinhos, ao casamento gay e nunca, mas nunca, cometeriam uma ilegalidade em proveito próprio. Ou dos "amigos do PS".
Urge, pois, alertar os portugueses para esta ameaça ao Estado de Direito, à separação de poderes e ao direito fundamental de receber uns robalos por fora. Se os tribunais desatam a condenar socialistas, o que é que se segue? A censura? O partido único? O Almirante Thomaz?  Apelo a uma revolução! A uma petição! A uma revisão da Constituição! No artigo 32º, onde está escrito "Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação", escreva-se em letras de fogo "Todo o socialista se presume inocente até ao Juízo Final, com direito a recurso".
Só assim poderemos libertar-nos do espectro do fascismo.

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