terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Quem sabe não esquece

A atribuição da Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique a Gaspar Castelo-Branco é um acto de justiça tão elementar como tardio. Não o honra a ele, que já não precisa de honras para nada: honra Portugal, que ele serviu com uma integridade que lhe custou a vida. Pela segunda vez, no curto espaço de semanas, o Presidente da República justifica plenamente o meu voto. Só por isto, que não é pouco, valeu a pena ter votado em Cavaco. Porque um Estado que não honra aqueles que o servem não é digno de ser servido. Gaspar Castelo-Branco tinha um altíssimo ideal de serviço público e pagou um altíssimo preço por isso. São homens como ele que me fazem acreditar na democracia - a democracia que os seus assassinos diziam defender quando matavam inocentes. 
A memória do crime, trinta anos depois, lembra-nos que este país de brandos costumes também teve os seus "anos de chumbo". Não foram só os outros, os da ETA, do IRA, das Brigadas Vermelhas, do Baader-Meinhoff. Em 1986, eu era apenas um adolescente, mas lembro-me bem. Por uma simples e muito pessoal razão: o meu Pai era então Director da PJ. Durante alguns anos, o quotidiano das família foi vagamente perturbado por este acidente profissional. Não que alguma vez me tivesse sentido em perigo, ou tivesse sentido os meus em perigo, ao contrário do que aconteceu a Gaspar Castelo-Branco e à família (como conta aqui o filho). Somos um país de brandos costumes, lembrem-se. Mas na noite de 15 de Fevereiro de 1986, ao ver as imagens do sangue de Gaspar Castelo-Branco na rua de Lisboa onde foi abatido pelas costas, senti que podia ter sido o meu Pai. Ou eu. Ou qualquer pessoa.
Esse momento, além de uma lição de vida sobre homens e ratos (e os ratos não foram foram só os terroristas que o mataram, foram também os políticos que o deixaram sozinho a enfrentar a greve de fome dos presos das FP25), deu-me uma educação sentimental concentrada. Não sabia por onde ia, mas sabia que não era por ali. Na idade em que se forma a inteligência das coisas e o coração bate em geral à esquerda, sabia que nunca teria as ideias de quem faz política matando inocentes. Ou de quem amnistia os assassinos. Trinta anos depois, mudei pouco. Eles também.
Convém lembrar, a este propósito, que Otelo e o resto das FP25 foram presos, julgados e condenados por um tribunal português. Não foram absolvidos: foram amnistiados. A justiça funcionou; foi o poder político, mais uma vez, que não esteve à altura. A começar por Mário Soares, o Presidente da República que assinou a mais vergonhosa amnistia do regime democrático. O mesmo Mário Soares que, há bem pouco tempo, honrou com a sua presidência o comício da Aula Magna onde as esquerdas prometeram correr um governo democraticamente eleito "à paulada". Quem sabe não esquece.

8 comentários:

  1. Respostas
    1. memórias de infância na república das bananas, nada mais, mas obrigado.

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    2. memórias de infância na república das bananas, nada mais, mas obrigado.

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    3. Sim, republica das bananas, "...nós somos os cafres da Europa!" (Padre António Vieira)

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  2. Caríssimo Pedro, como escreveu Jorge de Sena:
    "Cada vez mais penso que Portugal não precisa de ser salvo, porque estará sempre perdido como merece. Nós todos é que precisamos que nos salvem dele."

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  3. É uma frase bonita, mas não posso concordar.

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  4. Caríssimo Pedro, o caso em apreço é o reflexo teológico-político da prevalência de costumes da Primeira República. Ou, como (alegadamente) teria dito Almeida Santos: «para os amigos, tudo; para os inimigos, nada; para os outros, a lei»...

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  5. Dito assim percebe-se melhor, mas felizmente o país é maior do que todas as suas repúblicas e republicanos.

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