terça-feira, 25 de novembro de 2014

Diário de um cínico

1. Não, não há uma crise do regime. Pelo contrário: prender um ex-governante, se há indícios de crime, é um sinal de maturidade democrática. A conversa de que ninguém está acima da lei quer dizer isso mesmo. Nos tempos que correm, aliás, se o regime entrasse em agonia de cada vez que um ex-governante vai a tribunal (Isaltino, Lurdes Rodrigues, Vara, Duarte Lima...), a democracia portuguesa estaria morta. E bem morta.
2. Dito isto, só quem sofra de grave dissonância cognitiva pode ignorar que o problema vai muito além do PS. Com a subtileza habitual, o Primeiro-Ministro informou a nação de que os políticos "não são todos iguais". Está enganado. Para a nação, que mal distingue Tecnoformas e contas na Suíça, os políticos são mesmo todos iguais. A diferença é que uns estão lá em cima e os outros (já ou ainda) não.
3. Quem é que ganha com o caso? Marinho Pinto, o PCP, os profetas do apocalipse. Talvez o Bloco, se ainda estiver vivo. Aconteceu lá fora, começa a acontecer  por cá. Nunca acreditei que um partido como a Frente Nacional ou o Podemos triunfasse em Portugal. Até ontem.
4. E quem é que perde? Costa e o PS, claro. Não adianta tapar o sol com a peneira. Mesmo que queiramos separar as coisas, a fidalguia socialista clama urbi et orbi contra o "golpe de Estado" que se destinaria a afastá-la do poder. Nunca acreditei que o PS perdesse as próximas eleições. Mas desde ontem...
5. O PSD e o CDS também perdem. Perdem os partidos do "arco da governação". Perdem os políticos, a classe dirigente e todos os que metem as mãos na coisa pública. Esperar que continuemos a olhar para eles do mesmo modo, depois dos vistos gold, das pensões vitalícias e da prisão de Sócrates, é de uma ingenuidade acima das nossas posses.

2 comentários:

  1. A alteração da aritmética eleitoral por si só não conduziria a uma alteração do regime, talvez signifique mesmo uma regeneração virtuosa do mesmo. Mas, se conjugada com um evento maior, como um segundo resgate e/ou saída do euro, como sucedeu com o ultimato inglês, tudo seria diferente. Sobre o grande problema que enfrentamos, o défice e a dívida conjugados com a arquitectura UE imperfeita e/ou inacabada, uma coisa é a saída estratégica negociada (JF Amaral) outra a turbolência gerada pelo colapso simultâneo do sistema político representativo e da integração europeia. É nas situções críticas que os sistemas se testam, não nas afirmações ritualizadas.

    Xispto

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  2. Sim, concordo em abstracto. Mas, em concreto, a situação pela qual estamos a passar, e que é muito anterior ao caso Sócrates, já é uma situação crítica.

    PP

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