Anda toda a gente a queixar-se da campanha das presidenciais, e do nível a que isto desceu, e da pobreza dos candidatos - menos a Maria de Belém, ao que parece, graças ao desvelo do Tribunal Constitucional -, mas talvez o problema seja a nossa falta de imaginação. E se, em vez de uma, virmos quatro campanhas?
Há, primeiro, a de Marcelo. Vencedor antecipado, todos concorrem contra ele, mas ele não concorre contra ninguém. Está acima do mundanal ruído, paira no olimpo mediático e apenas espera a formalidade da aclamação nas urnas para subir ao trono. O que deixa toda a gente lixada, incluindo os seus apoiantes, porque já se sabe que as eleições são um simulacro da guerra, tal como o futebol (dizem o Carl Schmitt e o Pacheco Pereira; não, não dizem que futebol é um simulacro da guerra, eles não falam de tais coisas; a do futebol é do Desmond Morris). Mas Marcelo tem um adversário de peso: o tempo. Quanto mais o tempo passa, mais tem que descer à terra e enfrentar os Prometeus de bolso. Se não ganhar à primeira volta, pode muito bem perder contra uma frente de esquerda quinze dias depois. Daí a clara vontadinha de que a campanha acabe depressa e a ainda mais clara irritação com Nóvoa nos debates, pois o Professor, olha quem, já percebeu quem é o inimigo (como diriam o Carl Schmitt e o Pacheco Pereira; o Desmond Morris não sei, acho que não diria nada). Por outras palavras, Marcelo, sempre frenético, corre contra o tempo. Uma corrida deveras interessante.
A segunda campanha é a de Nóvoa contra Maria de Belém, ou seja, a dos costistas contra os seguristas. É um combate interno do PS, ainda que ambos tentem atrair às hostes elementos de outros partidos - sobretudo Nóvoa, cuja candidatura nasceu com o propósito declarado, hoje esquecido por todos excepto o Rui Tavares, de unir as esquerdas. No fundo, a campanha Nóvoa-Maria de Belém é a segunda volta das primárias socialistas entre Seguro e Costa. Ora, o que é que acontece se Maria de Belém ficar à frente de Nóvoa? (Nada, provavelmente, porque Maria de Belém, graças ao desvelo do Tribunal Constitucional, está agora na divisão da Marisa Matias. Mas sonhar não custa.) Irá Costa proceder a algum tipo de purga interna? Os ministros que apoiaram Maria de Belém serão demitidos? E os deputados idem, serão relegados para os bancos de trás do hemiciclo? Alfredo Barroso substituirá Jorge Coelho na Quadratura do Círculo?
Depois, temos a campanha pela hegemonia da extrema-esquerda entre Marisa Matias e Edgar Silva, que é o mesmo que dizer entre o Bloco e o PCP. Uma velha disputa entre seitas que, nas últimas legislativas, pendeu a favor dos bloquistas. Tudo indica que será de novo assim, mas nunca devemos subestimar o potencial bélico dos amigos de Pyongyang. Pelo sim pelo não, a CGTP já tem uma greve marcada para a semana seguinte, só por causa das coisas. Assim se vê a força do PC, mas, se Marisa ganhar por muitos, Costa vai olhar com olhos diferentes para os seus dois
compagnons de route. Ou pensavam que isto era a feijões?
Por fim, há a campanha dos outros todos e os outros todos têm um traço comum: são os não políticos, os de fora do sistema, os
outsiders. Desde Tino de Rans, o homem do povo, até Paulo Morais, o campeão anticorrupção. A mensagem é sempre limitada, mas pode ser muito mais eficaz do que esperamos. Basta pensar em alguns episódios recentes, dentro e fora de portas. Será curioso ver quem ganha por estas bandas, e ainda mais curioso ver qual a percentagem do protesto apartidário. Se chegar aos 20% de votos nas urnas, e a abstenção ficar perto 50%, ninguém nas outras três campanhas poderá cantar vitória.