terça-feira, 18 de agosto de 2015

Uma Roseira em Belém

Não resisti ao trocadilho, mas protesto a minha inocência. Se alguém tem nome de candidato socialista à Presidência, é mesmo Maria de Belém. Em termos onomásticos, Sampaio da Nóvoa está votado à derrota. Quando a pobre Julieta pergunta "o que há num nome? isso a que chamamos rosa/ se tivesse outro nome, não teria o mesmo doce aroma?", a resposta de Shakespeare só podia ser uma (e foi): não.
Ainda por cima, a senhora "colecciona apoios" na área socialista, como dizem os jornais. Sampaio da Nóvoa tem Jorge Sampaio e Mário Soares consigo, mas não tem o PS. E pelas declarações dos últimos tempos, de Assis a Alegre, nada indica que o venha a ter no futuro próximo. O que vota o estimável ex-reitor da Clássica à derrota, não sei se já tinha dito.
Sobra uma pergunta: quem o convenceu a avançar para a aventura sem um claro OK do maior partido da esquerda, e porquê?  Na verdade, são duas perguntas, mas a resposta é tão simples como a da rosa da Julieta: Soares, para provar que ainda manda no PS e no país. A mesmíssima razão pela qual visitou Sócrates e Ricardo Salgado, ao arrepio da pública decência e da conveniência socialista.
Soares, sempre atento aos sinais dos tempos, terá metido na cabeça que a esquerda precisava de um outsider, um candidato fora dos partidos, tal como Alegre contra ele próprio nas últimas presidenciais - com o resultado conhecido. Os belos discursos e os cravos na lapela de Nóvoa pareceram-lhe a solução. Como a outros, de certeza. Nóvoa, atraído pelo poder como todos os intelectuais, disse que sim. Depois, foi só impor o facto consumado a Costa, que ia dando indícios de resignação.
Entretanto, e para desespero da esquerda indígena, o Syriza cedia a Berlim para obter novo empréstimo, os conservadores ganhavam por muitos em Inglaterra, o Podemos descia nas sondagens, o PS não subia nas sondagens. De repente, o frentismo canhoto soava a má ideia. Até porque Costa, sem maioria absoluta,  pode muito bem ter que se virar para a direita em Setembro.
Maria de Belém é fruto das circunstâncias. Costa, mais uma vez, mostrou pragmatismo. E Soares deve andar furioso, não porque o seu candidato caiu moribundo no roseiral, mas porque há quem guarde o socialismo na gaveta ainda melhor do que ele.    

7 comentários:

  1. Por motivos óbvios começa a ser difícil perceber o racional de Soares, mas creio que sempre pensou em favorecer sob qualquer forma a possibilidade de um entendimento governamental PS+PC. Chegar a afirmar que vivemos em ditadura também só se entende como uma dramatização para o justificar. Verdadeiramente difícil de entender é Sampaio da Novoa assumir esse frentismo "antifascista" que soa a falsete senão a oportunismo.

    XisPto

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  2. A razão, parece-me, é aquela que dei: os intelectuais, condenados a um trabalho quase sempre obscuro e a uma vida de gabinete, são facilmente convencidos pela lisonja, pela pequena vaidade, pela proximidade do poder. E, claro, não devemos excluir que isso venha misturado, para Nóvoa, com uma sincera, ainda que ilusória, convicção de estar a prestar um serviço ao país, como tanta gente lhe terá dito de certeza.

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  4. Quanto a Nóvoa parece-me uma análise de tipo "criado de Napoleão" de que fala Hegel, enfim, prefere focar as pequenas misérias humanas de que todos padecem - de Napoleão ao ardina - a focar-se no acto político do homem esse sim, mais raro. Depois, parece-me evidente que a sua tese sobre as maquinações de Soares para lançar Nóvoa esbarra em Eanes e Sampaio que não me parecem homens para se deixarem manipular.

    João.

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    1. Não falei em manipulação, mas em cumplicidade. É diferente. E, sim, talvez eu esteja a ser um pouco injusto com Nóvoa. Podia ser pior. O Soares podia ter-se lembrado do Pacheco Pereira.

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  5. Os intelectuais são sensíveis ao poder...eu vejo muita gente sensível ao poder.
    Posso afirmar que estão longe de serem intelectuais.

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    1. Ah, parece-me que infelizmente está enganada. Aqueles que menos longe estão de serem intelectuais são os que mais sonham com a proximidade do poder. Por duas razões: porque desconhecem as limitações práticas de qualquer política e porque acreditam na capacidade ilimitada da inteligência para mudar o mundo. Há imensa gente que já explicou isto, do Aron ao Popper. O último foi o Steiner (por exemplo, No Castelo do Barba Azul e num artigo genial que escreveu sobre Anthony Burgess e os infiltrados do KGB em Cambridge para a New Yorker; qualquer dia trago-o cá).

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