Caro leitor, a vida é feita de surpresas. E eu decidi, em nome do misterioso destino que nos juntou sob este tecto, partilhar a minha última descida aos insondáveis enigmas da Criação. Não é um momento fácil, devo dizer. Raramente a sólida película do mundo quotidiano se rasga assim, de alto a baixo, sob o peso do mais puro espanto. Mas aconteceu-me. Ontem. Imagina que descobri, com o precioso auxílio dos comentadores, que o Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva, Presidente da República Portuguesa, não quer comunistas e bloquistas no Governo.
A sério.
Não quer mesmo (comentadores dixerunt).
Já imaginaste?
Sim, eu sei.
Também foi difícil para mim. O Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva, anticomunista?
Ao que isto chegou... Qualquer dia temos o Cardeal-Patriarca a dizer que a homossexualidade é pecado.
Claro que 80% dos votantes nas últimas eleições também não querem comunistas e bloquistas no Governo. Claro que o PS, bem lá no fundo, comunistas e bloquistas no Governo não quer. Claro que o Bloco, já se sabe, quer um Governo sem comunistas. Claro que até o PCP, obviamente, quer um Governo sem comunistas (talvez mesmo sem bloquistas, mas isso já não garanto).
Claro que sim.
Mas por qualquer razão ainda mais misteriosa do que o misterioso destino que nos juntou sob este tecto, só o Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva consegue deixar os nossos compatriotas de boca aberta quando não quer comunistas e bloquistas no Governo.
Mal refeito do abalo cósmico que assim mudou a minha vida, eu, que nunca, nem por um momento, imaginei o Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva a empossar um Governo que, além de não incluir comunistas e bloquistas, cometeu o supremo acinte de ganhar as eleições, regresso agora, na tua companhia, à sólida, confortável, familiar realidade e descanso dos sobressaltos recentes com a leitura do acordo entre os partidos de esquerda que levará a São Bento o Dr. António Costa, líder da segunda força política do país.
(O quê?
Ainda não há acordo?
Caro leitor, a vida é feita de surpresas.)
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