quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Crónicas do planeta oval: Mundial de rugby, o que já vimos e o que veremos

Tenho escrito pouco sobre o Mundial de rugby e é pena, porque tem sido óptimo. Além da vitória do Japão sobre a África do Sul, toda a gente rejubilou com a eliminação da anfitriã Inglaterra. Toda a gente menos os bifes, claro, que perderam a fleuma com a excentricidade de a equipa organizadora não passar a fase de grupos pela primeira vez na história. Mas as derrotas com Gales e a Austrália foram justíssimas, o que não será bem uma surpresa se nos lembrarmos que, nos últimos Seis Nações, os da rosa ganharam o péssimo hábito de ficar em segundo. Perderam para a Irlanda este ano e no ano passado, perderam para Gales em 2013. E há coisas em que só podem queixar-se de si próprios. Não me refiro à ideia peregrina de optar por um dúbio pontapé para alinhamento nos derradeiros segundos da batalha com os galeses, em vez tentar os três pontos da penalidade que garantiriam o empate, imitação nipónica que tem valido ao capitão Robshaw o linchamento mediático. Refiro-me às erráticas opções de Lancaster nos três-quartos: Farrel a 10, depois de ter dado essa camisola a Ford durante quase um ano; Burgess a centro, quando o homem só sabe defender; Brad Barritt a 13, um desperdício perigoso; Jonathan Joseph a ponta, um desperdício inofensivo. Olhe para os cangurus, sir: deixaram o trabalho pesado para Pocock e Hooper, que fizeram os bifes em picadinho, e libertaram os pesos-pluma Foley e Gitteau para a extravagante tarefa de pensar o jogo. (Sim, consta que nos antípodas há uns bárbaros que fazem isso.) Resultado: três ensaios e bye bye England, com o supremo acinte de o segundo de Foley ser de uma simplicidade genial - e, na minha modesta opinião, candidato a ensaio da prova.
Quanto os outros, confirma-se que os Pumas estão a praticar um rugby de alta voltagem. Rápidos, criativos, incansáveis a defender, jogam em profundidade, ocupam o campo todo, garantem sempre o apoio e mantêm a bola viva. Em suma, fazem tudo, e muito bem, o que faltou à Velha Albion. Vão longe. A vitória sobre Tonga, mais difícil do que os números sugerem, foi um hino ao rugby de movimento. Veja-se o segundo ensaio, que nasce de uma arrancada magnífica, quase na área de 22, de Santiago Cordero (revelação do torneio, por agora, e outra prova viva de que o tamanho nem sempre conta) e acaba do outro lado, com vários jogadores em posição de marcar. Ou o que resulta de um alinhamento captado pelo terceira-linha Juan Fernandez Loebe, na zona de acção do pilar, e é concluído, com um único passe, pelo talonador que tinha introduzido a bola. São jogadas só possíveis com executantes de grande qualidade e bem treinados - ainda por cima por um mister que já passou por Portugal, Daniel Hourcade de sua graça.
A Nova Zelândia está apurada, como se previa, mas sem entusiasmar. Ou muito me engano, ou será assim até levarem a taça. A menos que sofram uma derrota épica às mãos dos Wallabies, os únicos dignos da proeza. Nem a Irlanda, a mais forte candidata do hemisfério norte, parece estar ao mesmo nível. Claro que há a França, a tradicional bête noire dos neozelandeses, mas esta não é a irredutível Gália de 99. E a África do Sul? Depois do tsunami, prossegue em velocidade cruzeiro. Bateu a Escócia em toda linha, embora o marcador seja mais que lisonjeiro para os homens do cardo, e esmagou os Estados Unidos por 64-0. Jogo sem história, não fosse Bryan Habana ter conseguido um hat trick que lhe permitiu igualar o lendário record de quinze ensaios de Lomu em Mundiais. Como os Springboks ainda têm dois ou três jogos pela frente (prevejo a eliminação lá para as meias-finais), só por azar é que o veterano do Toulon não chegará à glória de ser o homem que mais vezes pousou a oval na área de validação contrária desde que o Dr. Kirk, capitão dos All Blacks, ergueu a William Webb Ellis no distante ano de 1987.

1 comentário:

  1. É uma pena, V. é quem melhor escreve sobre râguebi e eu, egoísta, esperava ter o prazer de o ler durante este mundial. Paciência. Não nos quer brindar, pelo menos, com um olhar sobre estes últimos três jogos?

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