segunda-feira, 13 de abril de 2015

Em Abril queima a velha ao carro e o carril

Durante  estes últimos quatro anos, uma trincheira, bem funda e variada na sua composição, apresentou dois argumentos:

1) Tudo podia ter sido feito de outra maneira
2) Era preciso renegociar a  dívida

Estes dois  argumentos foram difundidos pelos media ( com a excepção da imprensa económica, essa bête noire) como verdades autoevidentes, ou sejam, não careciam de demonstração. Pelo meio, previsões apocalípticas de revoltas populares, que não se tendo verificado valeram ao povo a alcunha de corno manso.
Para o primeiro argumento bastava mostrar os pobres e os desempregados, para o segundo bastava mostrar os pobres e os desempregados.  Seguindo a regra da table dance, quando se mostra uma coisa esconde-se outra: um país falido  sob resgate, regras claras e duras. 
Para facilitar o trabalho de demonstração das verdades autoevidentes, usaram as venalidades  do governo. Contaram,  a trincheira  e os media panfletários,  com a tradicional perturbação da  memória colectiva: não só qualquer governo  exibe venalidades imensas como outra trincheira ( de Louçã a Portas), a que fez cair Sócrates, se encarregou,  nessa altura, de as procurar no governo do engenheiro Da asfixia democrática à ministra da Educação, passando por um banco fraudulento, o pasto foi verde.
Os juros começaram  a cair e aos subscritores dos manifesto de renegociação da  dívida  nunca mais ouvimos  um pio. Quando chegou o Syriza, a primeira verdade autoevidente ( tudo podia ter sido feito de outra maneira)  foi massajada na trincheira. Agora, os matarruanos, os ignorantes e  os grunhos iam ver como de faz.  Depois a coisa engasgou. Seguindo a velha técnica do  salame de Rakosy, a trincheira alinhou as culpas: Merckel, Portugal e Espanha, o capitalismo mundial.
Nas últimas semanas, descobriu-se uma coisa chamada regras da UE. Os da trincheira não se ficaram: mudem-se as regras. Assim, o que podia ter sido feito de outra maneira era o governo português ter mudado as regras da UE.
Freud dizia que o comunismo era um sistema óptimo, mas que não conseguia sequer imaginar o nível de coerção necessário  para o implementar. Podemos agora  nós  calcular o que teria acontecido ao povo se os seus donos  o tivessem  defendido.

7 comentários:

  1. Sim, imaginemos, enquanto o desastre não se consuma na Grécia. Quanto à coerção, sejamos claros, parte da trincheira não se preocupa minimamente com isso. Possui e fé dos iluminados e o gulag não é ensinado nos cursos de relações internacionais.

    XisPto

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  2. O texto é brilhante, parabéns. Só não concordo totalmente com a referência ao salame de Mátyas Rákosi, pois trata-se de uma estratégia de tomada de poder, não de propaganda. A ideia do comunista húngaro era cortar a oposição em fatias, como se costuma fazer no consumo deste delicioso alimento camponês. Quanto menores as fatias, mais se realça o sabor.

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    1. obrigado, mas este salame também visou a tomada do poder ( daí a raiva a Cavaco...)

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  3. Pintada assim, com essas cores, até parece esquizofrenia!! Mas tem piada porque também é verdade!! É a tal noção de que há verdade em coisas diferentes que torna todas as trincheiras magnanimas.
    Eu, há dias em que penso que as trincheiras de putativos indignados são a farsa necessária ao alívio da alma de quem, verdadeiramente, não quer nem nunca quis a tal tomada do poder!! Apenas uma fotografia na trincheira para mais tarde recordar, e invocar, talvez!! A outra trincheira parece-me demasiado heterodoxa!! Cabe lá muita coisa!! Os que podiam estar na trincheira dos indignados mas têm um pingo de vergonha. Os que gostam simplesmente de trincheiras, por oposição à trincheira dos indignados e os persuadidos pela inevitabilidade de fazer uma trincheira!! Faz lembrar o PREC, quem não tem trincheira dorme ao relento. Noto, no entanto, melhorias significativas face há dois anos. Já não se vive um clima de quase guerra civil em família. Famílias desavindas e amigos perdidos!! Enfim, chove alguma resignação contida!!

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  4. Está para breve uma imensidão de gente poder ver in loco como se governa bem e com sucesso fora do euro. Daqui a dois anos em Atenas - e só nos vai custar uma viagem lowcost . Muito mais nos custaria se outros amanhas cantassem com governantes tipo Syriza ou as nossas sumidades esquerda caviar.

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  5. Escreve no fim do seu post: "Podemos agora nós calcular o que teria acontecido ao povo se os seus donos o tivessem defendido." Pois. Leia um magnífico livro (se me permite o entusiasmo) ainda não comentado nos jornais: 1974 de Filipe Verde. Que saiu agora. O que podia ter acontecido, a este país se a malta do PC virasse o barco no PREC:

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