terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Uma questão de fé

O que mais me intriga no caso Sócrates é a certeza com que alguns romeiros de Évora nos garantem, à saída da visita, que o homem é inocente. Vão lá, olham-no nos olhos (quase em lágrimas, parece) e anunciam urbi et orbi que ele nunca fez ou faria aquilo de que o acusam. E chamam a isto presunção de inocência. Eu pensava, pobre incréu, que a presunção de inocência consistia em defender que um suspeito é inocente até prova em contrário. Mas isto é outra coisa: é a certeza da inocência, a crença dogmática de que, contra todos os indícios que sustentam uma prisão preventiva, Sócrates está inocente. Como é que sabem? Porque Sócrates está acima de suspeita? Porque é um amigo, como tantos gostam de lembrar? Porque é socialista e os socialistas são incorruptíveis? Mistérios da fé.
Se Sócrates for condenado (se...), já imagino o ruidoso silêncio que se seguirá. Na melhor das hipóteses. Na pior, esperam-nos proclamas inflamadas sobre a instrumentalização da justiça e o regresso do fascismo. Em qualquer dos casos, não vai ser bonito. O PS, partido de poder, tem responsabilidades acrescidas no debate público. Que se porte como o Bloco de Esquerda ou Marinho Pinto não se recomenda. E pensar que alguns dos romeiros de Évora regressarão em breve à governação provoca-me um calafrio. Portugal está cada vez mais parecido com a Itália de Berlusconi.

2 comentários:

  1. Sim, é um mistério e causa calafrios. Pelo contrário, um cidadão responsável, quando vai visitar os amigos à prisão, suspeitos de roubar maçãs ou de corrupção, chega cá fora e diz, com ar grave e profissional: aquele cidadão que ali está dentro, tanto pode ser inocente, como culpado e nemus debet inauditus damnari; a justiça decidirá e deve seguir o seu curso normal sem perturbações, artigo 345 do código de processo penal.
    Deve ser isto o homem novo. Precisamos mesmo de uma revolução cultural que limpe esta tralha, está visto.

    caramelo

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  2. Não é preciso o homem novo. Basta o velho, mas sem visões místicas da iniocência socrática.

    PP

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