quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Dia 4 , psico-explicação técnica possível ( 2) : o tremedismo de pernas para o ar

(Continaundo a prever um empate que na prática é uma derrota para o tremendismo).
Há um outro detalhe que parece escapar ao analistas na tentativa de explicar a abstrusa possibilidade de a coligação vencer dia 4: também é psicológico e também tem a ver com  a negação da realidade .

A espiral recessiva e o segundo resgate eram dados como certos. Isto envolvia o caos social e  a violência política  legitimada. Espero que não se tenham esquecido. Nada disto se tendo verificado, a mensagem ficou. Os dois  anos  seguintes mostraram o falhanço da análise.

Ora, foi esta previsão tremendista que permitiu à coligação exibir  o sucesso de manter o país à tona de água e sublinhar o valor da estabilidade. De certa forma, o tremendismo histérico, táctico ou, nalguns casos, obscenamente  rancoroso, acabou por elogiar o trabalho do governo.
Não deixa de ser irónico que quem afinal  foi  miserabilista na atitude foram os cosmopolitas bem pensantes e viajados.


Mais um prego no caixão

Das viúvas de JJ. Ou talvez não. O Atlético de Madrid é uma equipa macia, defende mal, enfim, vamos ver no que isto dá.

Dia 4 : psico-explicação técnica possível

Aviso: a minha previsão é um empate, que, na prática, é uma derrota para os tremendistas.

A meio desta legislatura os media de serviço e as esquerdas  abandonaram a ideia do levantamento popular, da espiral recessiva  e do segundo resgate ( Maria Flor Perdoso está nesta altura, sem se rir, na Antena 1 a dizer que isso era ideia do... PSD). Até essa altura, cenários  apocalípticos eram razoávelmente assimilados pelas pessoas. A situação era nova, por isso todos as fichas   eram admisssíveis. O problema foi depois.

Nos últimos dois anos, os cenários apocalípticos não se verificaram. Isto devia ter feito os media e as esquerdas parar  para pensar ( O Pedro Magalhães tem falado nisto). Por exemplo, pensar no que estava  a acontecer. Optaram por outra via.  Na boa tradição  agit prop, passaram a pintar todos o sindicadores positivos como falsos, continuaram  a martelar o caos, a desgraça, o horror. Aqui a porca torce o rabo.

É letal, em democracia ( em Cuba ou na Coreia não faz mal), negar a realidade porque induz desconfiança  nos  eleitores. Na vida privada também: não consigo fazer passar 200 sms de uma tipa com fotos elucidativas e palavras doces por um assunto de trabalho. Mas há pior.
A insistência em descrever tudo como péssimo pior que mau ( autoria de  um comentador futebolístico), por estupidez, raiva ou pura vaidade, criou nas pessoas  não só uma sensação  de dessensibilização  sistemática ( usamos isso  no tratamento  das neuroses obsessivo-compulsivas) como um efeito perverso: as pessoas passaram a associar a desgraça  a quem dela tanto fala. Abyssus abyssum invocat...

MFL 2009- PàF 2015

O meu voto no PàF é igual ao meu voto em Manuela Ferreira Leite  em 2009. Em 2011 votei PCP , na altura disse-o nos blogues e fui gozado, porque entendi que era necessário reforçar  um partido capaz de proteger os mais fracos nos tempos que se avizinhavam. O voto não é futebol, nunca entenderei quem pertence a um partido como se pertence ao Benfica.
Tal como em 2009, estamos numa situação de pré-crise. 

1) Não quero promessas , destinos salvíficos, projectos para o país.  Quero a cicatrização do resgate e a convalescença de sectores como a saúde pública. O Estado não pode obrigar radiologistas a escolher a Guarda para viver, mas deve assegurar que se pode viver na Guarda.

2) Quero uma mudança lenta e compassada da dependência que temos do Estado, valendo isso tanto para os cidadãos como para as superestruturas vulturinas do mundo privado, que  vivem à mesa do OGE. Se a coligação vencer e se esquecer deste segudo ponto,  cá estarei na primeira fila da minha condição de anónimo blogger a morder-lhe as canelas.

3) Tal como em 2009, o sistema mediático tem um preferido. Em 2009 MFL era uma velha homofóbica e fascista  ( queria suspender a democracia),  agora a coligação come crianças ao pequeno-almoço.  Por falar em crianças, o sistema mediático que amplia qualquer notícia de um miúdo que ficou sem o pequeno-almoço , esquece-se de dar notícias destas. Derrotar este poder não eleito é essencial.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Os outros fazem-nos melhores

Mrozek, anti-Freud, no Depressão Colectiva.

Art & design

SIC-N e TVi  acrescentam aos vídeos em que nas acções do PàF há sempre um tipo a insultar Portas e/ou Passos ( na ausência da horda famélica que ia assassinar os homens  é o que pode arranjar)  a sua linguagem da campanha:

PàF: :  Amacia, Foge, Contradiz-se, Esquece-se, Ignora, Irrevogável, Amnésia

PS:  Conquista, Motiva, Promete, Enfrenta, Luta, Decide, Aposta.

Bloco:  (como o PS mas em orgasmo total)

PCP:  ( como o PàF, mas com menos azedume)

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Alô PS, daqui Terra

Depois do debate na televisão entre Passos e Costa, escrevi que a vitória do líder do PS não tinha sido decisiva, apesar da euforia nas hostes. As sondagens aí estão para provar a evidência. Costa não convenceu quem ainda não estivesse convencido. Ele bem tentou, mas a realidade não deixa. E a realidade, como já aqui tem dito o Dr. Vicente, é que muita gente não compra a narrativa socialista da tragédia. A recuperação económica é um facto (tímido, mas um facto) e Sócrates, com as suas aparições ultramediáticas, tem-se encarregado de lembrar aos mais distraídos que o buraco em que estamos podia ser bem maior. Chegará para a vitória do PAF-Pim-Pam-Pum? Veremos. Mas, até lá, o PS devia voltar à Terra. Não sei é se ainda vai a tempo.

O tempo

Não cura nada: no Depressão Colectiva.

sábado, 26 de setembro de 2015

Odisseia na linha azul

Volto a casa ao fim do dia, como Ulisses. Gosto de pensar que a guerra está ganha, que os anos de combate e exílio foram vencidos sob as muralhas de Tróia e nos abismos do mar, mas nunca se sabe. Amanhã é outra ilíada. Quem será Helena? Quem será Aquiles? E Heitor "domador de cavalos"?
A meia hora de chegar, salto para o Metro, a minha jangada de Calipso. Encontro Polifemo, que pede esmola na linha azul. Aquela é Circe, a feiticeira: transforma os homens em porcos. Nausícaa vai jantar fora com as amigas, sem saber que, a alguns metros, morro de cansaço.
Chego, enfim, a Ítaca. Penélope está a tecer arroz com ervilhas e manda-me dar banho aos pretendentes. Espera... Aos pretendentes? Sim, desarrumaram tudo. E, a seguir, põe-nos a fazer os trabalhos. Não há tempo, têm que ir para a cama. Há tempo, sim - chegasses mais cedo. Sabes perfeitamente que tive de livrar-me das sereias. Lá vens tu com as tuas histórias... Ora, o que seria da vida sem histórias?

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Crónicas do Planeta Oval: Atenção à Argentina

Das equipas que já vi jogar no Mundial, a que me impressionou mais foi a Argentina. Depois de um valente susto aos All Blacks, hoje venceram a Geórgia por 54-9 e sete ensaios. Os Georgianos são um osso duro de roer. Tesos, com um pack sólido, muitos avançados a jogar em França e um dos melhores 8s do mundo (Mamuka Gorgodze, campeão europeu de clubes pelo Toulon), assentam o seu jogo no pick and go à moda antiga e numa belíssima mêlée. Num dia bom, o seu estilo unidimensional pode causar problemas a qualquer adversário. Mas hoje não era decididamente um dia bom e os Pumas mereceram a vitória. Destaque para os dois grandes ensaios de Gonzalo Cordero, o jovem ponta que vêm lá em cima e que já tinha deixado excelente impressão contra a Nova Zelândia. Para já, é a revelação do torneio. Só improváveis desaires com Tonga e a Namíbia separam os Pumas dos quartos de final. A partir daí, o céu é o limite. Não me espantaria se repetissem o terceiro lugar de 2007.
Entretanto, o Japão, depois da vitória histórica sobre a África do Sul, caiu com algum estrondo aos pés da Escócia. Muito cansaço, talvez, porque os montanheiros ainda deixam muito a desejar. Mas não é impunemente que se vence os Springboks e a batalha de Domingo deixou marcas nos nipónicos. O África do Sul-Samoa, já amanhã, vai ser decisivo para definir o grupo.
Também amanhã, aí está um dramático Inglaterra-Gales em perspectiva, primeiro choque de titãs deste Mundial. Nem Ingleses nem Galeses convenceram nas vitórias respectivas sobre as Fiji e o Uruguai, apesar dos triunfos folgados. Com a Austrália aparentemente em melhor forma e moral graças ao triunfo no recente Quatro Nações, embora em terceiro lugar no grupo porque não teve o bónus ofensivo dos adversários directos, quem vencer este clássico fica às portas do apuramento. Os bifes, prevendo dificuldades, vão alinhar com os seus três-quartos de combate: Owen Farrell, Brad Barritt e Sam Burgess. Lesão de Jonathan Joseph, um centro de veludo, oblige. Não vai ser bonito de se ver, mas ninguém os pode acusar de falta de pragmatismo. Nunca. Twickenham até vai ferver.

Dia 4 explicado por Correia de Campos, Pacheco Pereira e Fernada Cancio:

1) Se o PàF ganhar:
O povo é estúpido
A campanha é uma mentira
Não há democracia

2) Se o PS ganhar:
O povo é inteligente
A verdade é como azeite
A democracia  venceu

Ou seja, categorias como a capacidade intelectual do povo,  o acto eleitoral e a democracia  dependem de 1%. 
Nada de novo debaixo do sol.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Un certain regard

Se o PàF vencer  dia 4, existirão dois  derrotados: um sistema e uma ideia.

1) O sistema mediático
Assente  na  produção universitária de inspiração marxista e pós-marxista (zizeckiana), cujos agentes, de forma esmagadora  concentrados em Lisboa,  e jovens,  reproduzem  a ideia da esquerda cultural. Este sistema foi o mesmo que ampliou  as invectivas de fascista  a Augusto Santos Silva e autoritária salazarenta a Maria de Lurdes Rodrigues  no consulado de Sócrates ( na educação) e de neoliberal a Correia de Campos. 
Será um sistema derrotado porque fez tudo o que podia para que o PàF não vencesse. Bravo.

2) O ódio à  pequena burguesia
Quem pagou estes anos foi essencialmente a classe média. A classe média foi sempre humilhada pela esquerda bem pensante: desde 1975 que é uma mole anlafabruta e ígnara. Do gozo com a maison do emigrante ( agora  têm muita pena deles) ao epíteto de mentalidade merceeira (entre dezenas de exemplos), este  ódio esteve sempre bem presente na matriz da esquerda bem pensante.
Pois bem, o merceeiro, a rapariguinha do shopping, o emigrante, é que foram apertados, mas fazem umas contas simples. Durante estes anos penaram enquanto  ouviram a esquerda bem pensante ( e algumas aves de arribação) apregoar o caos e a inutilidade do seu esforço. Não gostaram e não querem ser,  de novo, mulas de carga.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Previsão: uma esquerda esclerosada

Já sabemos que, mais ponto menos ponto, seja quem for que vença, as eleições de dia 4 representarão um incrível desperdício das esquerdas portuguesas  depois de quatro anos de austeridade. E há razões para isso.

1) A mistificação:

Previram a revolução e o caos, falharam. Era uma boa ideia. Por que falhou? 
 Falhou  porque quiseram pintar o ajustamento como letal para os mais fracos, mas quem o pagou  foi a classe média. Este sinceramente vosso conduz um Opel Astra, não passa fins de semana em Formentera e viu retido 40% do seu rendimento.  Durante estes anos habituei-me a ver doentes que ficaram desempregados com mais de dois anos de subsídio de desemprego. Estes não fariam a revolução. Os miúdos foram para fora sem grandes queixumes. Sobraram os velhos e os pensionistas: a verdade é que nem de perto nem de longe o aperto  deles se comparou ao da classe média. Eram pobres, continuaram pobres.

2) Um disco a  riscar desde 1975:
Em 2008:
Para a esquerda comunista e comunista-like, estamos em ataque à democracia desde 1975. Não admira que não cole, admira que não o percebam.

3) A jactância

Nem com quatro anos  de austeridade  a esquerda portuguesa abandonou o tecido feudal  e o arrivismo revista Caras. O tecido feudal é o do PCP, já vimos no ponto anterior: riscar o disco, segurar os clientes.
O arrivismo revista Caras foi estelífero durante a austeridade. Em vez de cerrar fileiras e os dentes, a esquerda de pastelaria desdobrou-se em plataformas, movimentos, frentes, alternativas. Todos são génios revolucionários no facebook, nos jornais, no twitter. Como é óbvio, sendo todos génios, os outros são todos limitados. O povo olhou para isto como se de uma açulada de podengos se tratasse.

4) o PS:

Estava no caminho para o poder quando um conjunto de intelectuais se abespinhou com os resultados das autárquicas e  europeias. A ideia era uma vassourada e Seguro só venceu. Danados com a realidade, instalaram Costa. O problema principal nem foi esse. O problema  principal foi colarem a Costa o desprezo de casta pelo esforço das pessoas. Assim, durante todos estes anos, rangeram os dentes a cada indicador positivo, a cada nova empresa ou linha de negócio. Alguns  apoios, como a ala socrática,  muitos media, Pacheco Pereira etc , foram impecáveis  no papel. A coligação agradeceu ficar sozinha a recolher louros que nem eram inteiramente seus.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Crónicas do Planeta Oval: começou o Mundial de rugby

Em Inglaterra, na sexta-feira passada. Com quatro dias de jogos, avancemos algumas observações. 
1. Os ingleses, a jogar em casa, estão confiantes de que vão repetir o triunfo de 2003 (único Mundial ganho pelo hesmisfério norte, recordo). Pela amostra do jogo de abertura com as Fiji, estão a sonhar um bocadinho alto. Os homens do Pacífico Sul nem jogaram muito, mas houve alturas (no fim da primeira parte, por exemplo) em que a sua mêlée demoliu a inglesa, para além de terem conseguido mais turnovers nos pontos de quebra do jogo aberto (tradução minha de breakdown).Tendo em conta que o jogo fechado é um dos tradicionais pontos fortes dos súbditos de Sua Majestade, o treinador Stuart Lancaster deve estar a little bit worried. Indeed. Se os fijianos tivessem um chutador de jeito e não oferecessem penalidades infantis (aquele pontapé na bola num ruck mesmo em frente aos postes...), o resultado não teria sido tão lisonjeiro para a equipa da rosa. Valeram as substituições  - mérito do Mister, reconheça-se. A troca dos pilares estabilizou a mêlée, Igglesworth esteve bem melhor do que Ben Youngs-dá-sempre-um-passo-a-mais-e-não-acerta-um-box-kick e Vunipola, ao contrário do enferrujado Ben Morgan, ganhou os metros preciosos que se pedem a um número 8. Chegará para vencer Gales e a Austrália, os seus principais adversários no "grupo da morte"? Não sei. Mas sei que, se a Inglaterra ficar pela fase de grupos, é um escândalo nacional.
2. Por falar em escândalo, a vitória do Japão sobre a África do Sul já valeu este Mundial. É mais memorável ainda do que a vitória de Tonga sobre a França em 2011. Primeiro, porque Tonga é melhor do que o Japão. Segundo, porque, no sábado, os Springboks nem estiveram mal - os orientais é que fizeram o jogo da vida deles. Não é qualquer equipa que leva quatro ensaios dos Boks e mesmo assim ganha. Os sul-africanos confirmaram o seu péssimo Quatro Nações de Agosto (último lugar e três derrotas, uma delas, first ever, com a Argentina), mas vão passar. Não tenho dúvidas e é bom que progridam na competição, para que os afrikaners não sejam todos atirados ao mar pela ala lunática do ANC. Os escoceses, próximo adversário do sol nascente, é que devem começar a fazer contas.
3. Ah, a Argentina, a Argentina... Grande jogo contra os hipersupermegafavoritos All Blacks, ontem. Determinados a defender, inteligentes a atacar, estiveram à frente do resultado até bem entrada a segunda parte. Em Twickenham, com a memória bem viva da proeza nipónica do dia anterior, pairou durante longos minutos um "e se?..." que valeu aos Pumas o impensável apoio do público inglês. Se tivessem ganho, acho que os bifes lhes ofereciam as Malvinas. Ou Gibraltar. Talvez mesmo a Escócia. Mas o banco neozelandês é de luxo. Bastou a Steve Hansen trocar Ma´a Nonu por Sonny Bill Williams, que entrou com a exclusiva missão de massacrar os centros e fixar a terceira linha dos alvicelestes, e a resistência acabou. Dois ensaios de negro nos últimos vinte minutos restauraram a ordem cósmica. Mas para quem diz que a Nova Zelândia vem jogar sem pressão porque a sua superioridade se impõe como o meridiano de Greenwich, veja-se que McCaw e Conrad Smith, dois dos mais experientes All Blacks de sempre, foram ontem amarelados por faltas nascidas do puro e simples nervosismo... Vão levar a taça, lá isso vão, mas não são kiwis contados.

A esquerda tem razões que a razão desconhece


Deixa cá ver se eu percebo.
Então o Tsipras ganha as eleições prometendo acabar com a austeridade, não só não acaba como pede novo resgate,vai outra vez a votos e volta a ganhar- e o resultado é uma grande vitória progressista?
Há qualquer coisa aqui que me escapa.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Socialista a sério


Ser socialista a sério é ser como Camus.  Não é ser cavaquista  arrasa indústrias nacionais-constrói betão  e deputado europeu num dia  e revolucionário no outro; e vice versa . 
Este conjunto de crónicas sobre a Kabylie, que começa em 1935 e vai até meados de 50, pode ser lido como se de um projecto político para  Portugal se tratasse. Os baixos salários, a falta de instrução,  o défice de produção, a má gestão da coisa pública, as esmolas da metrópole.
Ser socialista a sério implica um compromisso com valores e ideias mais  sólidos  do que um junco que flana ao sabor do vento. Ou, pelo menos, mais sólidos do que a simples vaidade.

La cucaracha

"Quanto e que o I lhe pagou para dizer que nao estava a fazer um bico ao outro? Esta a custar-vos engolir o crescimento da CDU e do Bloco de Esquerda, e isso nota-se pelo vosso desespero. TRAFULHAS DE MERDA"

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Here we go again

Espero que o PS não se mostre muito entusiasmado com o Labour e a vitória de Jeremy Corbyn. É que o Syriza de Tsipras, o tal que dava força para seguir o mesmo caminho, acabou como se viu.

Salmões e correntes

No Depressão Colectiva.

Futebol mágico e futebol de rosca


Estou possesso. O Sporting de JJ marca golos fabulosos e faz-me ter saudades. Os penalties são espectaculares: a forma como a bola entra no canto vazio da baliza é de nota artística. E o que dizer das tabelas? As bolas batem nos defesas e entram , enlouquecidas, nas redes  conquistadas. E o fair play de dar frisson ao jogo,  deixando o adversário atacar? De chupeta, como diria o Eça.

Já o meu Benfica, enfim, uma tristeza saloia do saloio Rui Derrota.  Poucos golos, e  banais, oferecidos pelas defesas que adormecem no pedaço, um futebol pegajoso e bocejante. Enfim, é aguentar.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O debate


Devo ser o único português que não viu o debate Passos-Costa, mas vi excertos nos noticiários da noite (aliás, era impossível escapar). O erro de Passos não foi ter invocado o nome de Sócrates em vão: a estratégia de colar Costa ao passado socialista seguia um atalho óbvio, se bem que preguiçoso. O erro foi ter dito que não ia trazer o caso do 44 para a campanha e, afinal, acabar por trazê-lo sonsamente. Passos cometeu o pecado mortal dos políticos - achar que os eleitores são estúpidos. Não são. Toda a gente percebeu que, por trás da crítica às "ideias" partilhadas pelo antigo e pelo actual PS (uma crítica justíssima), estava o truque de envolver Costa num caso sob investigação judicial. Um truque que Costa desmontou com o refrão das "saudades". Isto vê-se em qualquer resumo da coisa; do resto não sei. Mas, pensando bem, houve resto?
Feito o ponto de ordem, estou muito longe de acreditar que este combate dos chefes foi "decisivo". Costa ganhou porque Passos é fraco, mas não inspira mais confiança aos célebres indecisos do que inspirava há uma semana. Com toda a razão. Os eleitores não são estúpidos, lembrem-se.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Palmira


Paulo Mendes Pinto é coordenador do Mestrado de Ciências Religiosas na Universidade Lusófona. Há dias, publicou no seu blog as fotografias de uma visita antiga a Palmira, essa jóia arqueológica da Síria que o Estado Islâmico tem vindo a destruir. Vale a pena ver. Perante a barbárie em estado puro, as palavras faltam. De acordo com as últimas notícias, alguns dos monumentos fotografados já não existem. Para alguém que dedica a sua vida profissional a estudar o passado, como eu, a destruição consciente  do património é especialmente absurda. Nos últimos meses, tenho tentado escrever qualquer coisa sobre este crime contra a civilização e não consigo. Fiquem com as imagens e pensem, por momentos, nos homens que ergueram aquelas pedras em nome de um futuro que não sabiam tão desumano. Nem as pedras sobrevivem ao ódio. Só a nossa memória.

Et tu Brutus?

O PAF passou à frente do PS nas sondagens. Confesso a minha surpresa. Nunca pensei que o apoio de Sócrates a Costa tivesse efeitos tão imediatos.

Voto inconsciente ( 2)

Estas sondagens impressionam-me pouco.  Salvo incomodar a trupe socrática  ( a do partido e a dos comentadores), e a comandita raivosa com a  apatia do povoléu, que defenestrou Seguro com a canalha  justificação de que ganhar  por pouco não era para eles, Meternnichs de proveta.
 Com 20 % de indecisos e uma amostra  restrita a telefones fixos,  isto é mais propaganda ( legítima)  do que outra coisa. Os politólogos lá saberão dos indecisos em sede de teoria política, a mim interessa-me um  indeciso em particular:  este, o português destes dias.
Um indeciso nem sempre   é indeciso. Melhor: pode  ser  uma espécie de indeciso, pois  pré-decidiu que não quer , ou não consegue, decidir. Este estado emocional pode prolongar-se para lá do razoável: neste caso, do dia das eleições. O verdadeiro indeciso é o que quer ambas as alternativas ( carne  e peixe)  mas não consegue escolher.
O indeciso português, o de hoje, queria o PS mas com a segurança da coligação. Ou seja, peixe-bife.

Voto inconsciente ( 1)


Interessam-me muito esta eleições porque o elemento decisivo será psicológico. Não há programas nem promessas que contem e nenhum dos principais candidatos  a líder tem especial carisma. O que está em jogo é uma operação psicológica e temporal: não repetir o passado.
Uma sociedade que se organiza em torno de uma proibição pode tornar-se quase primitiva. As características-lâmina são  margens estreitas que durante uma crise pública separam fases mais ou menos estáveis do drama social. Na fase  final  existe uma reintegração do que deu origem ao cisma. Ora, é curioso notar que o pedido de resgate e programa austeritário subsequente formam um módulo que a coligação tem usado melhor do  que o PS:
A coligação exibe a redenção   pelo violar da regra sagrada: sobrevivemos  apesar  de. O PS  tenta prolongar o estatuto de drama social e crise pública, tentando assim, compreensivelmente, compensar as consequências. 

terça-feira, 8 de setembro de 2015

A sagrada família*

Há uma coisa que me choca profundamente na fotografia de Joana Amaral Dias que hoje ornamenta todas as casas portuguesas, com certeza: o conservadorismo.  A apologia do preconceito. O charme discreto da reacção.
Reparem bem.
A fotografia representa uma mulher grávida e um homem. Ou seja, uma família heterossexual à espera de uma criança. É uma ode à heteronormatividade como forma de organização dos afectos. E os gays? Não existem? Não têm direitos? Não podem ter filhos? Foi para isto que lutámos pela adopção por casais do mesmo sexo? E as mães solteiras? Também precisam de um macho? Não via nada de tão discriminatório desde a ida de Marinho Pinto ao Prós e Contras. Esta malta de direita é assim: muita conversa sobre tolerância, mas na hora da verdade é gajo com gaja a fazer meninos. Para sempre.
Como se não bastasse, a criança foi aparentemente concebida pelo método tradicional. Andámos nós a lutar pela fecundação in vitro, essa conquista de Abril, e temos agora que gramar com um apelo descarado ao moralismo cristão. Crescei e multiplicai-vos, lá dizia o Salazar. Para já não falar na tentativa implícita de limitar a criatividade sexual. Como se sabe, podemos ter muitas posições na matéria, mas a procriação só admite uma. Eles querem é acabar com a imaginação ao poder.
E o braço dele à volta da cintura dela? Eis a mensagem: "querida, eu protejo-te". Ou então: "querida, aqui mando eu". Ou as duas. Como se a mulher, coitadinha, estivesse a pedir humildemente a defesa do senhor seu marido contra os perigos do mundo, as tentações do pecado, o facto inconfessável de ter um sexo. Ah, os estereótipos patriarcais sempre à espreita (salvo seja)...  Puro machismo. Ao menos a Demi Moore apareceu sem o Bruce Willis (acho que era o Bruce Willis).Será que uma mulher não pode estar grávida sem umas calças por perto? E porque é que ele está de calças? Também nos deixaremos alienar por essa convenção pequeno-burguesa?
Em suma, aquilo é a sagrada família em todo o seu esplendor. Parece um presépio. Com uns anjinhos, até serve de cartão de Natal.

*Com a devida vénia aos camaradas Marx e Engels.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

A ler

Serviço público em directo.

Futebol & eleições


Do centro do PS para a esquerda a ideia é unânime: não existe  democracia em Portugal. Para os moderados, a democracia está refém do capital; para os outros, as amplas liberdades democráticas ( o único jargão de Cunhal que Pacheco Pereira ainda não recuperou) só são respeitadas em Angola, Cuba e Coreia do Norte.  Posto isto, há eleições.
A novidade velha deste ano é o futebol.  O ópio do povo vai distrair o povoléu embrutecido. Nunca é demais realçar o desdém desta gente pelos que dizem defender. É velho, mas às vezes leva  troco:

Mário Campos* recorda a Assembleia Magna da Academia que no Verão de 74 decide a extinção  da secção de futebol  da Associação Académica de Coimbra, como tendo decorrido num  ambiente terrível. A tese dos 400 magnos era, como é bom de ver , a da alienação:”tu, que durante todos estes anos apenas te podias reunir com os amigos ao domingo,  no futebol, és um alienado / todos os que em todo o mundo, capitalista ou socialista gostam de futebol, são alienados”. Acrescia a esta verdade intemporal uma outra, a da corrupção do ideal amador pelo mundo sujo do profissionalismo.
Para os registos fica a reacção  das gentes de Coimbra, do anónimo a Mota Pinto e Antonio Portugal, que vencem a indiferença do então  Secretário de Estado dos Desportos, Avelã Nunes (marxista da Faculdade de Direito) e o parecer do Conselho de Jurisdição da Federação Portuguesa de Futebol, onde, entre quatro insignes conselheiros , figurava o versátil Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.
 O que estava em causa era conseguir, através da mudança de nome de Académica para Clube Académico de Coimbra, a manutenção dos direitos desportivos  do clube, sobretudo o direito a disputar o campeonato nacional da primeira divisão.Vasco Gonçalves ( é verdade!), Spínola, Rafael Durão,  tendências multicolores do MFA conspiraram para ajudar o Académico a receber a herança desportiva da Briosa, para desespero dos estudantes revolucionários.
Assim, sob o jugo  da iluminada revolução, a 8 de Agosto de 1974, milhares de alienados viram-se obrigados a mudar de clube …no papel: nascia o Clube Académico de Coimbra. O que os ventos revolucionários conseguiram foi o regresso à antiga designação de 1862(5), demonstrando ipso facto, que se pode trocar de tudo, inclusive de mandantes, mas nunca de clube. 


* in "A Académica", vários autores, Ed ASA, 1995

sábado, 5 de setembro de 2015

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Sócrates está, desde hoje, em prisão domiciliária. Aguardo as declarações dos socialistas a dizer que o juiz Carlos Alexandre só quis ofuscar as últimas sondagens. Ou que o Governo só pretende desviar as atenções da crise dos refugiados. Ou que o Cavaco só fez isto para prejudicar o Costa. Como é que era? Isto só agora começou...


Cachimbos de lá

William Michael Harnett, A Smoke Backstage, 1877.

E tem o meu nome, o sacana

Tiro de Lee Enfield .303

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Mais do meu Gramsci urugaio:

Mas, primeiro, comprometa-se a fundo a conhecer a dolorosa história do seu continente, começando pela do seu país. Você não pode operar no sentido político profundo do porvir, se não conhecer a história do seu país. Gaste o tempo em conhecer de onde viemos, para poder sonhar aonde vamos.

O poder da fraqueza

Por entre a tragédia em curso, uma imagem vem chocar-nos ainda mais: a da criança síria morta na praia. De repente, a realidade parece mudar. A crise dos refugiados é a mesma, os nossos problemas são os mesmos, o debate na Europa continua, mas esta simples imagem leva-nos para outra dimensão. O seu poder é imenso. Abandonamos por um momento todos os cálculos e vemos, em grande plano, o incomensurável custo humano da história a acontecer sob os nossos olhos.
Não é a primeira vez.
O que é que lembramos da Grande Depressão?
 E da revolta do ghetto de Varsóvia?
E da guerra do Vietname?
Porquê?
Talvez porque as crianças representam a inocência e a fraqueza sem reservas. Só elas estão isentas de qualquer culpa na desgraça própria e alheia. Não fazem a guerra, não desfazem a paz, não escolhem fugir, não decidem ficar. Indefesas, estão totalmente à mercê de um destino imposto.
Ou talvez seja porque todos temos filhos e, nos filhos dos outros, vemos os nossos. Vemos um pouco de nós. Vemo-nos a nós.
Talvez.

Jovens estrelas

"O Moniteur diz que a Alemanha é sobretudo célebre pela sua filosofia e que um certo Sr.Kant e o seu discípulo Sr.Fichte acenderam verdadeiramente as luzes  que iluminam os alemães".

(Goethe a Schiller, Weimar, 16 de Maio de 1795)

Inventores de doenças

No Depressão Colectiva.

Um dos melhores

A não perder.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

É a liberdade, estúpido

"Para ser  de esquerda  tenho de ser pobre? Tenho de ser maltrapilha/o?"
Isto é dito muitas vezes  ao volante de um série 7 ou  na véspera de comprar um Cargaleiro. Também pode ser dito pilotando a sua avioneta com um Romeo y Julieta Churchill nos dentes. Num registo mais simples, apenas casinha com piscina, os jantarezinhos de centenas de euros -Michelin, fins de semana culturais em Londres. Pelo meio muita high-tech.
Nada a obstar.  Por exemplo:
Podemos defender a  sagrada família e ir todo os fins de semana com super-putas dos bons hotéis  de Lisboa ( 1000 euros/noite). Temos  de ser castrados para defender a sagrada família?
Podemos defender a ecologia mas ter um sumptuoso consumo de energia em casa  equivalente ao de uma aldeia. Temos de tomar banho de água fria para defender a ecologia?

Sim, de facto, podemos defender uma coisa e fazer o seu contrário na nossa vida quotidiana. Até podemos fazer estas  reduções ao absurdo  como se não houvesse  um meio termo condizente com as nossas aspirações moralistas ou igualitárias e revolucionárias. 
Ou então podemos  ouvir Mujica, que ao contráriodo que a foto pode sugerir não  vive como um vagabundo.  Foi eleito sem violência, governou à esquerda como deve ser, mas, por misteriosíssimas razões,  não excita as meninas americanas e os meninos europeus :


terça-feira, 1 de setembro de 2015

Olhá coltura


António Pinto Ribeiro escreve hoje, no Público, um bom artigo sobre os programas para a cultura dos principais partidos. Nem sempre foge ao esquematismo do costume  - a direita valoriza o património, a esquerda a criação -, um esquematismo que tem muito que se lhe diga depois do caso Crivelli, mas vale a pena ler. Algumas das críticas são muito certeiras, por exemplo aquela em que pergunta o que é o "povo" das políticas culturais do PCP. Mas interessam-me mais as que arremessa à coligação PSD-CDS porque é a minha área partidária. Duas, em concreto.
Diz ele que os partidos de direita, "em relação à a arte contemporânea, privilegiam o decorativo, rondando muitas vezes o kitsch". Está a pensar, obviamente, na comparência majestática de várias figuras institucionais (Maria Cavaco Silva, o próprio Primeiro-Ministro, o Secretário de Estado da Cultura) na exposição de Joana Vasconcelos na Ajuda, um dos mais fulgurantes exemplos de parolismo de Estado dos últimos anos. A direita tem uma relação complexada com a arte contemporânea, é certo. Olha para aquilo, não compreende, e não compreende que a arte contemporânea não quer muitas vezes ser compreendida, e vai atrás do que é popular. Joana Vasconcelos é popular, o que lhe valeu a exposição na Ajuda e a representação de Portugal na Bienal de Veneza. Mas pergunto-me, o que Pinto Ribeiro não faz, se não é a própria arte contemporânea a coroar o kitsch de Duchamp a Damien Hirst. Se a questão é de apoios, subsídios, reconhecimento público, como distinguir o que tem qualidade do que não tem? O meu conservadorismo tem um critério imperfeito, mas útil: o tempo fará a triagem. Só que invocar este critério é logo cair no esquematismo citado (a direita valoriza o património, e tal). Somos presos por ter cão e presos por não ter, se me permitem o plebeísmo - e permitem, porque somos bué democráticos e há muito que derrubámos os muros entre alta e baixa cultura.
A outra crítica fia mais fino. Diz Pinto Ribeiro que não vê na coligação "protagonistas preparados para tais funções". Tem alguma razão. Descontando o preconceito, olhamos para a direita e não parece haver candidatos naturais a governar um Ministério, uma SEC ou as respectivas adjacências (direcções-gerais, assessorias, etc.). O que implica não apenas competência política, mas também sensibilidade cultural e capacidade de dialogar com o sector. Há nomes que me vêm logo à cabeça, mas têm sempre um handicap qualquer: Adolfo Mesquita Nunes (não será deputado), Rui Ramos (gera anticorpos na opinião publicada), Pedro Mexia (é demasiado simpático para a esquerda)... Tudo somado, porém, talvez isto seja uma vantagem. A direita moderna prefere deixar que a cultura se governe a si própria. E em Portugal, então, com tão pouco dinheiro para tantas capelinhas, a tarefa exige um diplomata de pele dura e talentos de mercearia. Há poucos, já se sabe. E geralmente acabam mal. Se querem um Malraux, têm que gramar um De Gaulle. Mas não corremos esse risco. Ganhando o PAF, veremos o que se arranja. A cultura não merece menos.

Invasões bárbaras e percepções civilizadas


O problema dos refugiados que chegam à Europa não está apenas em saber se temos capacidade para os acolher. Temos e, mais do que isso, precisamos deles. A Europa, em abrandamento demográfico, necessita de população jovem e activa para manter o Estado social. Como não temos filhos, é óbvio que a solução só pode vir de fora. O problema é também (sobretudo?) de percepção.
Os europeus acreditam que o Estado social está falido e que, portanto, a chegada de hordas de desempregados irá sobrecarregá-lo. É uma dupla percepção  que muitos políticos alimentam. Basta pensar no UKIP em Inglaterra, na Frente Nacional em França, na Liga Norte em Itália, que obrigaram os partidos da direita tradicional a adaptar o seu discurso à demagogia anti-imigração. Mas esta demagogia tem eco na opinião pública porque há realmente abusos do Estado social, em benefício dos imigrantes e não só. Quando se ganha mais com o subsídio de desemprego do que com um salário justo, alguma coisa está mal. Reconhecê-lo e corrigi-lo seria uma grande passo no bom sentido.
Fatalmente, a crise económica dos últimos anos complicou as coisas. É mais uma fonte da percepção de que já temos dificuldades suficientes para estarmos a sustentar os outros. Mas os riscos que correm os refugiados para cá chegar, ou não, ensinam-nos que as nossas dificuldades são sempre relativas. Note-se: não estou a dizer que muitos europeus não viveram tempos difíceis. Estou a dizer que essas dificuldades (ou a percepção delas, mais uma vez) também se devem ao choque entre a  difícil realidade e as altas expectativas dos europeus. A prova é que aqueles que têm expectativas muito mais baixas, ou nenhumas, estão dispostos a enfrentar dificuldades muito maiores para viverem os nossos tempos difíceis.
Última percepção, ainda mais complicada: os refugiados são na sua maioria muçulmanos, logo perigosos. Não só porque, entre os milhares que chegam à Europa, pode haver terroristas infiltrados, mas porque uma população islâmica crescente pode ser uma ameaça ao nosso modo de vida. E, mais uma vez, para enfrentar esta percepção há que reconhecer a sua parte de verdade. Sim, pode haver terroristas entre os refugiados: por isso é necessário registá-los, legalizá-los, integrá-los social e juridicamente. Sim, o crescimento do Islão pode ser uma ameaça ao nosso modo de vida: por isso é necessário defender a laicidade contra as ilusões do multiculturalismo. Ainda não se encontrou o equilíbrio ideal, se é que existe. A França tem a laicidade (levada ao extremo da intolerância religiosa) e tem problemas com os muçulmanos. A Inglaterra tem o multiculturalismo (levado ao extremo da desigualdade legal) e tem problemas com os muçulmanos. Mas a solução, de certeza, não é a da Polónia, que só quer refugiados cristãos.  Se uma Europa-fortaleza está condenada à morte lenta, uma Europa que discrimina pela religião está condenada a repetir as lições da história. Os polacos, melhor que ninguém, deveriam sabê-lo.
Por falar em lições da história, alguns historiadores dizem que a decadência de Roma teve início quando o império começou a erguer muros nas fronteiras. É um exagero, mas de novo com alguma verdade. Uma civilização está morta, lembra Paul Veyne (grande historiador de Roma...), quando tem de se defender em vez de se reinventar.