terça-feira, 8 de setembro de 2015

A sagrada família*

Há uma coisa que me choca profundamente na fotografia de Joana Amaral Dias que hoje ornamenta todas as casas portuguesas, com certeza: o conservadorismo.  A apologia do preconceito. O charme discreto da reacção.
Reparem bem.
A fotografia representa uma mulher grávida e um homem. Ou seja, uma família heterossexual à espera de uma criança. É uma ode à heteronormatividade como forma de organização dos afectos. E os gays? Não existem? Não têm direitos? Não podem ter filhos? Foi para isto que lutámos pela adopção por casais do mesmo sexo? E as mães solteiras? Também precisam de um macho? Não via nada de tão discriminatório desde a ida de Marinho Pinto ao Prós e Contras. Esta malta de direita é assim: muita conversa sobre tolerância, mas na hora da verdade é gajo com gaja a fazer meninos. Para sempre.
Como se não bastasse, a criança foi aparentemente concebida pelo método tradicional. Andámos nós a lutar pela fecundação in vitro, essa conquista de Abril, e temos agora que gramar com um apelo descarado ao moralismo cristão. Crescei e multiplicai-vos, lá dizia o Salazar. Para já não falar na tentativa implícita de limitar a criatividade sexual. Como se sabe, podemos ter muitas posições na matéria, mas a procriação só admite uma. Eles querem é acabar com a imaginação ao poder.
E o braço dele à volta da cintura dela? Eis a mensagem: "querida, eu protejo-te". Ou então: "querida, aqui mando eu". Ou as duas. Como se a mulher, coitadinha, estivesse a pedir humildemente a defesa do senhor seu marido contra os perigos do mundo, as tentações do pecado, o facto inconfessável de ter um sexo. Ah, os estereótipos patriarcais sempre à espreita (salvo seja)...  Puro machismo. Ao menos a Demi Moore apareceu sem o Bruce Willis (acho que era o Bruce Willis).Será que uma mulher não pode estar grávida sem umas calças por perto? E porque é que ele está de calças? Também nos deixaremos alienar por essa convenção pequeno-burguesa?
Em suma, aquilo é a sagrada família em todo o seu esplendor. Parece um presépio. Com uns anjinhos, até serve de cartão de Natal.

*Com a devida vénia aos camaradas Marx e Engels.

6 comentários:

  1. ah,ah,ah,ah..... ganda nóia, diria o zé pequeno..

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  2. pensava eu .. de que .. a 'casa portuguesa' tinha passado de moda.
    segundo Dalai Lima 'fez-se fotografar sem nada na cabeça'

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  3. Sim, sim, o branco heteressexual é a criatura mais descriminada deste mundo. É de fazer chorar as pedras da calçada, tanta injustiça.

    João.

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