Há coisas que não percebo: o húngaro, a astrologia, o curling, o Damien Hirst, os artigos do Dr. Soares e por que carga de água Passos Coelho insiste em meter os pés pelas mãos com a história do calote à Segurança Social. O bom senso aconselhá-lo-ia a não tentar justificar o injustificável. Foi apanhado, pagava tudo, explicava pouco e remetia-se ao silêncio. Mas não. Em vez disso, embalado pelo calor do improviso diante dos fiéis ou porque é realmente imune ao exercício de pensar para lá do próximo soundbite, o actual PM resolveu comparar-se com o anterior ("não usei o cargo para enriquecer!"). Ora, como ontem eu disse, qualquer cidadão alfabetizado dá pela abissal diferença de escala entre as malfeitorias de Passos e as suspeitas de Sócrates, pelo que seria do máximo interesse daquele evitar o mínimo cotejo com este. Ainda que fosse, oh céus, para repetir o wishful thinking de que nem todos os políticos são iguais. Quando Passos afirma, muito enxofrado, que não fez o mesmo que os outros, está a sugerir que o que fez não é grave. Acontece que é. O facto de ser menos grave na "escala Sócrates" não significa que não tenha gravidade nenhuma. E quanto mais ele invocar esta escala, mais nos recorda que o devemos medir por ela.
Ainda por cima, o brilhante Passos teve a brilhante ideia de esclarecer que não é um "cidadão perfeito". Já tínhamos reparado. Até porque não há "cidadãos perfeitos". Há cidadãos que pagam impostos e outros que não pagam. Pagar impostos é um dever, como o actual PM, menos enxofrado do que na sua contra-apologia de Sócrates, declarou várias vezes nos últimos tempos. E cumprir um dever não torna ninguém perfeito porque a perfeição é ir além do cumprimento do dever. Soa a soundbite, mas talvez assim Passos compreenda. A não ser, claro, que ele estivesse a pensar nos milhões de portugueses sobre os quais lançou impostos tão "brutais", para usar outro soundbite célebre, que pagá-los sem atrasos, esquecimentos ou outras imperfeições notórias se aproxima da santidade. Se foi isso, está perdoado. Desde que cumpra a penitência: pague os seus e baixe os nossos. E vá em paz.
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