A um ano e tal de distância, direita e esquerda estão em dificuldades para encontrar o respectivo "candidato natural" a Belém. É mau sinal. Não para elas, que têm o que merecem, mas para nós.
Em Portugal, a Presidência da República foi sempre vista como a herdeira do poder moderador do rei constitucional, exigindo ao seu titular, portanto, doses de gravitas e sentido de Estado acima da média. Belém não é país para novos. Foi assim na Primeira República, até porque o Presidente não tinha legitimidade eleitoral directa, foi assim no Estado Novo, que fazia dele o mais apolítico dos cidadãos, e é assim, apesar de tudo, em democracia. Soares, fiel à natureza patrícia e ao ódio a Cavaco, ainda agitou as coisas, interpretando os poderes do cargo como lhe deu na real (adjectivo não apenas metafórico) gana, sendo mais ou menos imitado por Sampaio quando este despediu sumariamente Santana e deu, em bandeja de prata, a maioria absoluta a Sócrates. Mas depois veio Cavaco, que não gosta de coboiadas, e o Presidente voltou a ser o ancião equânime do costume, distribuindo roteiros ao povo e pairando acima da "política partidária", como ele diz com todo o desdém e muita razão.
Porque, nos últimos tempos, a "política partidária" ganhou uma má fama particularmente merecida. Não há candidatos naturais a Belém porque os indígenas desconfiam de quem está, ou esteve, em S. Bento. Não por acaso, os nomes mais ouvidos em ambos os campos, Durão Barroso e Guterres, passaram os anos transactos longe da pátria, afadigados nas guerras de Tróia do universo exterior. Longe da vista, perto do coração. Estivessem por cá e a conversa seria outra. A "política partidária" é uma Penélope infiel: foge ao senso comum e não aspira à epopeia.
Mas resistamos aos pretendentes, que se insinuam na televisão e afins por entre a teia da nossa paciência. E esperemos. Daqui a dez anos será pior. Podemos ter que escolher, valham-nos todos os deuses, entre Passos e Sócrates.
O pessoal gosta desta cobóiada. Não te apoquentes, Pedro.
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