terça-feira, 24 de março de 2015
Herberto Hélder (1930-2015)
Não sei se Herberto Hélder foi "o maior poeta português da segunda metade do século XX", assumindo que a primeira é dominada pela sombra incontestada de Pessoa. No campeonato dos superlativos, talvez só Sena, Sophia ou Ruy Belo (sim, sou suspeito) possam disputar-lhe a palma. Mas foi seguramente o mais inventivo. Poemas como "Se perguntarem: das artes do mundo?" pegam na língua, esticam-na até aos limites da inverosimilhança e devolvem-na ao leitor dotada de novos sentidos. Há uma poesia portuguesa antes e depois de Herberto Hélder, tal como antes e depois de Pessoa, ou antes e depois de Camões. A fama de surrealista vem daí. E teve a vantagem da longevidade que faltou a O´Neill. Além disso, foi sempre livre. Muito livre. A transferência para a Porto Editora e A Morte Sem Mestre, o último livro, mostram-no capaz de ironizar não só com o seu próprio fim, mas com a imagem de maldito de toda uma vida. O que, no milieu literário onde a encenação da marginalidade é altamente rentável, provocou a amargura de alguns fiéis. É certo que a palma fica sem dono e ninguém parece disposto a reclamá-la. António Guerreiro, sempre muito sério, pergunta no Público se ainda é possível escrever poesia "num mundo completamente secularizado". Adorno diria "depois de Auschwitz", nada mais nada menos. Abstenho-me de supor o que faria Herberto de tamanho considerando. Agora, onde quer que esteja, há-de estar a sorrir das nossas homenagens.
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