Aproveitando o desafio lançado pelo Miguel Serras Pereira , e também a propósito de vários dos seus textos, aqui vai uma primeira fisgada que o Miguel devolverá se entender:
1) A europa tida com ex-colonial ( a ocidental) foi engolindo milhares de imigrantes muçulmanos. Disse "engolir" de propósito: de onde e por que motivo vieram as modernas vagas de muçulmanos? Não foi da descolonização, isso é um mito. As segundas e terceiras maiores áreas de população islâmica na Europa não têm passado colonial : a Alemanha ( deixemos de lado a anedota do Rovuma e a da Namíbia) e a Bosnia Herzegovina. A primeira, a França, tem de facto um passado colonial, mas não foi a descolonização o factor migratório. A vaga de 1955-1973 não tem a ver com descolonização enquanto processo em si mesmo. Foi essencialmente operária: uma relação simbiótica entre a França industrial e os imigrantes que escapavam à miséria dos seus lugares de origem. Quanto à vaga pós-colonial, sobretudo a argelina, Camus recebeu o desprezo da intelectualidade francesa bem pensante ( com Sartre à cabeça) quando rejeitou De Gaulle tanto quanto abominou os façanhudos islâmicos da FLN.
1) A europa tida com ex-colonial ( a ocidental) foi engolindo milhares de imigrantes muçulmanos. Disse "engolir" de propósito: de onde e por que motivo vieram as modernas vagas de muçulmanos? Não foi da descolonização, isso é um mito. As segundas e terceiras maiores áreas de população islâmica na Europa não têm passado colonial : a Alemanha ( deixemos de lado a anedota do Rovuma e a da Namíbia) e a Bosnia Herzegovina. A primeira, a França, tem de facto um passado colonial, mas não foi a descolonização o factor migratório. A vaga de 1955-1973 não tem a ver com descolonização enquanto processo em si mesmo. Foi essencialmente operária: uma relação simbiótica entre a França industrial e os imigrantes que escapavam à miséria dos seus lugares de origem. Quanto à vaga pós-colonial, sobretudo a argelina, Camus recebeu o desprezo da intelectualidade francesa bem pensante ( com Sartre à cabeça) quando rejeitou De Gaulle tanto quanto abominou os façanhudos islâmicos da FLN.
2) Integração substancial, percepção conflitual é uma boa fórmula usada por Stefano Allievi, que também centrava ( em 2005)o problema:
" So the problem precedes geo-politics and terrorism, and has profound
roots and a symbolic overload that must be held in consideration. Only
this can explain the fierceness of certain attitudes to Islam
circulating in the European public space, in which sometimes it would
suffice to substitute the word “Jew” for the word “Muslim” to understand
their gravity and negative potentiality.
3) O
factor religioso ofusca o factor político.Tanto as primeiras vagas de
imigração como as recentes vêm de países onde a democracia é uma coisa com penas ( adaptando a definição que Dickinson deu da esperança). Edward Said não hesitava: Democracia,
no seu sentido real, não se encontra em lado nenhum no médio-oriente
nacionalista: só existem oligarquias privilegiadas ou grupos étnicos
privilegiados. A grande massa de pessoas é esmagada sob o peso de
diataduras ou governos irresponsáveis ( Culture and Imperialism, 1993, pp300).
A Europa democrática e respeitável só raspou ao de leve na cultura tribal, étnica e pré-democrática. Em nome da hospedagem sem reservas ( Derrida) os muçulmanos ( nas suas varições étnicas e religiosas) nunca foram incomodados com a regra do jogo.
Compreende-se. Massas de trabalhadores subqualificados, arrumados em
subúrbios mais ou menos imundos, tinham o direito de viver como
queriam: uma versão actual dos proles de Orwell. Ainda hoje, muitos se horrorizam com a tentativa de proibição de niqabs e burkas no espaço público como se isso pudesse esconder a sharia doméstica nos espaços privados.
4) Um primeiro esboço da israelização.
Asquenazes,
sefarditas, cristãos, cristãos-árabes, druzos, ortodoxos herdeiros do
espírito pioneiro dos russos socialista-sionistas, sabras,
palestinianos etc. Este meu colega resume
as realidades de adaptação da diversidade étnica e religiosa em Israel
sob o ponto de vista cognitivo. Serve apenas para dar uma ideia do
mosaico.
Já Mordechai Kedar e Mohamed Mustafa vão directos ao ponto: a sobrevivência política do movimento islâmico nas eleiçoes para o Knesset, as suas relações com a componente religiosa e reivindicativa ( Palestina, terra original etc)
Já Mordechai Kedar e Mohamed Mustafa vão directos ao ponto: a sobrevivência política do movimento islâmico nas eleiçoes para o Knesset, as suas relações com a componente religiosa e reivindicativa ( Palestina, terra original etc)
Israel tem a experiência dos três pontos europeus anteriores. A israelização da Europa é
uma fórmula que não permite decalcagem exacta, como é evidente. É uma
ferramenta para poder pensar a fase actual de um processo europeu
iniciado nos anos 50. E uma das faces é a percepção conflitual, aqui, na Europa, acomodada num acolhimento de exclusão. Como em Israel.
Muito, muito bom, Filipe.
ResponderEliminarAbraço
msp
Muito boa é a sua tradução do Alucinações do Sacks. Tenho umas notas prontas há muito e depois vai perceber porquê se por aqui passar.
ResponderEliminarabraço
Obrigado pelo cumprimento, Filipe: fiz o que pude, ainda que a neurologia não seja o meu forte e na esperança de não ter incorrido em gaffes terminológicas maiores nesse domínio.
EliminarJá agora, saiba que, embora eu passe por aqui várias vezes por semana, seu fiel leitor que sou, o que me deixaria realmente entusiasmado seria, um dia destes, termos uma conversa ao vivo e à bâtons rompus.