1) O assunto da adopção gay não é menor nem uma simples causa fracturante. Só um tolo não entende que o tema lança raízes nas mudanças culturais do que se convencionou chamar cultura ocidental.
A imaginação forte é conservadora, defendia Hofmannsthal, no sentido que apenas a experiência nos pode levar a lidar com pessoas que temos de imaginar, na sua essência, diferentes de nós. E a experiência é conservadora, tanto quanto a inovação é revolucionária. Quero dizer, a experiência calcula, tenta, modifica à condição. O revolucionário salva, rompe com a tradição , abomina o passado, impõe a ordem nova.
A adopção gay tem a sua inscrição no individualismo suzerano, ocidental, na molecularização das pontes entre a aspirações individuais e o sentir colectivo. Na definição de Manchev: uma totalização privativa, a privatização do campo do sensível.O facto de a ideia ser minoritária - "a maioria das pessoas está contra" - não nos diz nada sobre a qualidade da proposta ( ou de outras). Este artigo desmonta bem a a diferença entre a verdade objectiva da opinião e a regra da maioria: numa democracia experimental, a regra maioritária inscreve o poder de decisão mas não o da verdade.
2) A aspiração comunitária islâmica radical é excêntrica à desmoralização democrática e observa um duplo papel, adaptando a fórmla de Aron ( que a usou para o marxismo): lá serve para justificar o poder, cá para o criticar)- a mesma doutrina serve de fundamento do totalitarismo consumado e de arma contra as sociedades liberais. Não por acaso, os velhos serventuários do comunismo aproveitam a colagem à crítica islâmica das democracias burguesas europeias. A propaganda islâmica agradece e ataca os esquerdistas liberais.
Tudo isto é pouco novo. Wassyla Tamtazi ( já a trouxe aos blogues na altura da publicação do livro) . Feminista argelina, escreveu Une femme en cólere ( Gallimard 2007) e nele menciona a manipulação. Na altura do l'affaire du foulard, o Le Monde publicou um documento asinado por intelectuais franceses de esquerda. Explicavam que as piscinas unissexo, os casamentos escolhidos, o tapar o corpo, eram práticas talvez censuráveis mas essenciais para sobrevivência feminina no meio muçulmano francês e culturalmente identitárias. Tamysa encoleriza-se , sobretudo quando a sua recusa deste diferencialismo cultural lhe valeu, a ela, muçulmana, a acusação de islamofobia.
O Público trazia no outro dia uma entrevista a Carlos Jorge de Sousa, sociólogo, coordenador do novo Observatório de Comunidades Ciganas. E o que diz o senhor? Que apoiará um projecto de escolarização em que meninas ciganas sejam postas numa turma só de raparigas: o ideal da interculturalidade é fundamental, até porque nos EUA há turmas assim, com a opção pela virgindade. Como se vê, a langue de bois, com o seu vácuo estelífero, não é exclusiva da propaganda islâmica integrista.
E depois acha que o leio pelas patetices que escreve sobre o Jesus.
ResponderEliminarCom fazer entrar o Gonçalo Guedes aos 95m ( ou o Cavaleiro aos 119 m contra o Sevilha) ?
EliminarQue pateta eu sou.
É interessante talvez notar a repetição da história e de sua distorção. É conhecido que o PCP foi contra o apoio ocidental à intervenção na Síria argumentando que os rebeldes não representavam as reais aspirações dos manifestantes contra Assad. Logo todos se ergueram, do CDS ao PS passando pelo PSD contra a posição do PCP.
ResponderEliminarA dada altura, já bem dentro do conflito, e nas condições possíveis de uma guerra civíl percebeu-se cerca de 70% de apoio a Assad na Síria e 10% de apoio aos rebeldes. Os sinais de que o PCP estava certo parecem claros. E no entanto, os rebeldes eram o Free Syria Army.
Claro que esse vasto apoio a Assad vem também do cansaço da guerra mas não só, terá de ter vindo também de uma grande falta de identificação com os rebeldes.
http://www.worldtribune.com/2013/05/31/nato-data-assad-winning-the-war-for-syrians-hearts-and-minds/
http://www.theguardian.com/commentisfree/2012/jan/17/syrians-support-assad-western-propaganda
Hoje, vemos como a oposição ao regime de Assad que contou com o apoio dos EUA gerou um braço armado brutal do radicalismo islâmico, o ISIS. Foram os EUA que criaram o ISIS de propósito,? Não. Não digo isso. Digo que não se importaram que o radicalismo islâmico se fosse apropriando e absorvendo os recursos da luta contra Assad - recursos esses providenciados também pelos EUA - na medida em que cumpria a função de conduzir essa luta.
Veja a Síria agora e veja como estava antes da guerra civíl e diga-nos em que é que tudo o que aconteceu serviu ao povo Sírio?
Já tínhamos visto como os taliban surgiram como braço armado pelo ocidente contra a URSS tornando-se depois um braço armado do radicalismo islâmico contra qualquer coisa que cheira a ocidente no afganistão.
A Síria repete muitas asneiras dos EUA e seus aliados no passado. Ocorre que eles têm o papel e a caneta que escreve a história que nós lemos e portanto vão ficar ilibados dessas asneiras. Quem as vai pagar, para lá, neste caso, dos Sírios? No ocidente paga a esquerda, os comunistas, os que estiveram contra os chamados rebeldes por não os julgarem representativos das reivindicações dos Sírios contra Assad. Os comunistas vão ser os culpados de apoiar o terrorismo e o ISIS quando é mais um produto de cuja produção faz parte a estupidez da política externa americana. Sim, porque há estupidez na política externa americana.
João.
Os comunistas não aproveitam nada do radicalismo islâmico, não são aliados do radicalismo islâmico contra os regimes europeus, para os comunistas os terrorismo islâmico na europa é um caso para o qual os regimes ocidentais não estão ilibados de responsabilidade e isto não é desculpar terroristas é sim começar por reconhecer duas coisa muito simples: o radicalismo islâmico no médio oriente foi utilizado e portanto armado pelos EUA e aliados contra os soviéticos tendo depois se imancipado; e o radicalismo islâmico na europa surgiu durante a vigência do centrão que controla a europa ocidental desde a II Guerra.
ResponderEliminarVocê aqui há tempos escreveu que os EUA não tinham invadido nenhum país islâmico antes do 11 setembro. Não sei se usa invadir como termo técnico porque se não invadiu atacou, bombardeou. Em todo o caso a primeira guerra do Iraque foi antes de 2011 e teve invasão americana.
Para o ano de 2014 temos isto:
Israel and the US Have Dropped Bombs on 8 Muslim Countries This Year
http://antiwar.com/blog/2014/07/27/israel-and-the-us-have-dropped-bombs-on-8-muslim-countries-this-year/
Referindo um período de tempo desde os anos 80 temos por exemplo este artigo de um historiador militar americano e antigo coronel do exército americano (portanto, não deve ser um comunista):
"As America’s efforts to “degrade and ultimately destroy” Islamic State militants extend into Syria, Iraq War III has seamlessly morphed into Greater Middle East Battlefield XIV. That is, Syria has become at least the 14th country in the Islamic world that U.S. forces have invaded or occupied or bombed, and in which American soldiers have killed or been killed. And that’s just since 1980.
Let’s tick them off: Iran (1980, 1987-1988), Libya (1981, 1986, 1989, 2011), Lebanon (1983), Kuwait (1991), Iraq (1991-2011, 2014-), Somalia (1992-1993, 2007-), Bosnia (1995), Saudi Arabia (1991, 1996), Afghanistan (1998, 2001-), Sudan (1998), Kosovo (1999), Yemen (2000, 2002-), Pakistan (2004-) and now Syria. Whew."
http://www.washingtonpost.com/opinions/even-if-we-defeat-the-islamic-state-well-still-lose-the-bigger-war/2014/10/03/e8c0585e-4353-11e4-b47c-f5889e061e5f_story.html
Isto serve para justificar o terrorismo? Não. Mas será são pensar o terrorismo contra o ocidente sem considerar as acções do ocidente no médio-oriente? Cada um se quiser que responda. Eu acho que não é são. É disto que se trata e não de apoiar o terrorismo islâmico.
João.
depois lá irei com detalhe, mas uma nota histórica e factual: o primeiro grande avanço ,para o proto-estado islãmico, causado por uma potência europeia foi a invasão do Afeganistão pela URSS. Claro que ninguém gosta de recordar...
EliminarA CIA aproveitou depois, e desenvolveu .
Refriro isso no primeiro ou segundo número da série ( e na entrevista qu edei ao Observador também- o papel da CIA do ISI paquistanês.
E não reeferi os pc oficiais, referi velhos serventuários. A China comunista (enfim...) defronta , porque a esmagou imperialmente, uma nação muçulmana.
Acho que não foi o primeiro, embora seja um deles. Não há dúvida que a invasão dos ateus comunistas dá azo ao estímulo do fundamentalismo. Mas a invasão soviética é um episódio muito isolado nessa história. Há séculos de colonialismo inglês e francês sem medo de ser brutal e há a criação do Estado de Israel na região.
EliminarÉ curioso verificar que na altura da criação de Israel houve no Dpt. de Estado americano a compreensão de que o apoio dos EUA iria gerar a inimizade da região onde na altura os americanos gozavam de grande prestígio. Isto não é para ser contra o Estado de Israel, que não sou, mas para dizer que políticos americanos ao mais alto nível já previam o início de uma era de conflito entre a região e os EUA. Ou seja, não é coisa de esquerdistas ou comunistas, aliás a URSS foi a primeira a reconhecer "de jure" o Estado de Israel, mas efeitos que os próprios americanos já previam.
João.
Corrija-se "imancipado" por "emancipado".
EliminarJá agora, há um conjunto de intervenções muito interessantes num prós e contras recente a propósito dos ataques em frança onde se incluem homens de direita como Ângelo Correia, que mencionam essa utilização do Islão político não só contra a URSS no Afganistão mas contra a popularidade do socialismo no médio oriente, nomeadamente do movimento conhecido como Socialismo Árabe. E isto foi tudo antes da invasão soviética.
ResponderEliminarhttp://en.wikipedia.org/wiki/Arab_socialism
Este texto parece ter algumas referências interessantes sobre este tema pese embora o tom:
http://www.alternet.org/8-reasons-why-us-and-its-allies-are-responsible-islamic-extremism
João.