domingo, 16 de março de 2014

Gerações, poder e essencialismo


 

O problema do essencialismo é que extirpa os sujeitos e os grupos  da sua identidade: é uma não-inscrição ao serviço de categorias do poder longamente instaladas.
Dois exemplos. Vi escrito sobre as praxes  que são todas abjectas e  os estudantes que as praticam todos uns acéfalos. Sem  sair do  meu bairro conheço um par de miúdos que  têm excelentes notas em cursos  de ciência pura,  já compram russsos e  ensaios do Humberto Eco que nunca li  e que, tendo participado nessas idiotias, jamais humilharam alguém.  "As pessoas prefrem o subsídio ao trabalho": quando ouço as pessoas,  compreendo a salvaguada das excepções ( como nos estudantes) mas essa salvaguarda é uma esmola que garante  a fidelidade da representação essencial.
No Público, no mesmo dia, Pulido Valente  intitulava a sua crónica de A brigada do reumático, enquanto Pacheco Pereira vociferava contra  os novos que ousam criticar um  Manuel Porto ( sic)  ou um  Bagão Félix. VPV sabe que  há subscritores com metade da idade dele, Pacheco Pereira arruma todos os que defendem  o governo no curral dos rapazolas  sem mundo.   Na televisão, por exemplo, Constança Cunha e Sá costuma dizer uma moça ou um rapaz de cada vez que se refere a deputados do PSD e do CDS. O que está em causa é usar o argumento geracional para definir a relação de poder. Como sempre esteve.
Salman Rushdie descrevia o essencialismo como a filha respeitável do exotismo fora de moda, querendo com isso dizer que tudo - fontes, estilo, forma, linguagem, símbolo - deriva de uma suposta homogeneidade e da inquebrantável tradição. No nosso caso, a tradição e a homogeneidade estão bem à vista e são dificilmente  separadas.

a) A tradição:
Alexandre Soares dos Santos, Isabel Jonet, César  das Neves, António Borges. Sempre que até agora abriram a boca, portanto, deram  a sua opinião ( Borges não dará mais),  não foram criticados: foi sugerida a lapidação, o enforcamento e foram feitas todas as referências possíveis às respectivas mães. Não me recordo de ler JPP,  num artigo de página inteira, preocupado com insolência fascizante  dos  miúdos anarcas ou dos trolls das blogosfera. É da tradição que sem a patine socialista-revolucionária ( mais ou menos actualizada, por capricho ou táctica), só vive o lixo.
 Pulido Valente fez também a sua escola, imortalizada no desprezo pelos meias-brancas: sem a tradição académica, sem uma biblioteca herdada dos pais, numa palavra, sem berço, os actores políticos são simples  caboucos incapazes de articular uma ideia ( para utilizar uma expressão essencialista tão do agrado de VPV).

b) A homogeneidade:
As ruling classes político-mediáticas, ex-políticos comentadores de forma geral, ressentem-se do aparecimento de novas inscrições. Tendo feito a vida activa ( política) no regime pós-74, herdaram desse tempo a desenvoltura da palavra que não se discute bem como a velha pele do argumento de autoridade. A gravitas do cargo/título  e o passado anti-fascista são categorias postas em causa na nova desordem comunicacional. Daí a  irritação com as redes sociais, sobretudo com a blogosfera, recorrendo, de novo, à representação essencialista: é tudo uma porcaria.
Inacapazes de controlar a nova desordem comunicacional, resta-lhes o último argumento ( JPP e VPV juntam-se): evocar o fantasma  da ditadura.  Como os relógios parados  acertam duas vezes por dia...



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