Há casamentos que correm bem porque o marido e a mulher partilham os mesmos gostos, os mesmos interesses, os mesmos ideais. A sua ventura individual é uma aventura em comum, ainda que a aventura pareça um pouco monótona - sobretudo a quem está de fora. A monotonia é a base da vida a dois. Desconfio muito do sentimentalismo que o diz que o amor vence todas as barreiras. Talvez, se as barreiras forem as dos 110 metros. Mas o casamento não são os 110 metros barreiras, é a maratona. E o amor, se é mais do que o contacto de duas epidermes (ou seja, os 100 metros planos), é uma comunidade de vida - que se exprime, em sentido muito profundo, pelo contacto de duas epidermes. É o que os dois portadores das epidermes querem ter em comum, embora a prova-maratona do amor seja partilhar o que têm de diferente.
Quando se chega a tal ponto, já não estamos apenas diante de um casamento que corre bem. Estamos diante da felicidade conjugal (pelo desculpa pelas palavras). A tal comunidade de vida já não é só partilhar a felicidade com outro, mas viver para a felicidade do outro. Por isso S. Tomás distinguia entre amor de concupiscência, aquele em que queremos o outro pelo nosso bem, e amor de benevolência, aquele em que queremos o bem do outro. Ave de arribação frágil e raríssima, sempre ameaçada pelo egoísmo predatório. Quem, no pleno uso da razão, poderá dar a felicidade a outra pessoa? E quem, no pleno uso da razão, poderá esperar a felicidade de outra pessoa? O amor, assim o descreve Rilke, é o abismo entre duas capacidades finitas de amar e duas necessidades infinitas de ser amado.
Tentamos, em vão, encher este abismo com sentimentalismo ou cinismo. O sentimentalismo diz-nos que o amor vence todas as barreiras, lugar-comum duvidoso. O cinismo diz-nos que o amor é o contacto entre duas epidermes, lugar menos comum, mas ainda mais duvidoso. O realismo, que nasce da experiência, diz-nos outra coisa. Diz-nos que o verdadeiro amor (peço desculpa pelas palavras) é aquele de que falava Chesterton à mulher, numa das suas viagens à América. Certo dia, abriu o jornal e leu esta frase ameaçadora: "Casar é perder metade da liberdade". Parou, abanou a cabeça e disse à sua amada Frances que só mesmo no Novo Mundo se podia ser tão optimista.
Parece-me que o teu texto acaba por conceder algo ao cinismo, no final, caro Pedro. Longe de mim pretender contrariar o mestre Chesterton, mas a liberdade está sempre comprometida pelas nossas escolhas, sejamos casados ou não - digo eu que só casei perto dos 40 anos. Viver sem escolhas (no sentido de compromissos) pode ser isso sim comprometedor da nossa redenção.
ResponderEliminarForte abraço
Um casamento não é uma maratona, porque não tem a volta final ao Estádio e também não se corta a meta, Pedro. É sim, quanto a mim, uma caminhada que por ser feita por caminhos por vezes acidentados e sinuosos se faz melhor se tivermos ao lado alguém com quem se possa contar, alguém que esteja presente sempre que isso seja verdadeiramente essencial, e com quem se partilhem os sorrisos e as lágrimas que inevitavelmente acontecem - e a cama também, claro (já que isso também já foi aqui referido). E chega de coisas profundas, que também tenho para a troca uma máxima americana: o Jolly Jumper, o cavalo mais inteligente do Oeste, disse um dia a Lucky Luke: "O casamento é a invenção maravilhosa que permite que duas pessoas enfrentem juntas os problemas que jamais teriam se não se tivessem conhecido!". Raquel
ResponderEliminarA ambos deixo outra frase do Chesterton: dois não é só duas vezes um; é duas mil vezes um, dois milhões vezes um, dois contra o Universo. É por isso que, apesar de todos os inconvenientes, a Humanidadde volta sempre à monogamia.
ResponderEliminarpoligamia na monogamia, ou a liberdade na fraternidade
EliminarAh, a monogamia... O melhor sistema excluindo todos os outros, como o grande Winston disse da Democracia... Raquel
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