segunda-feira, 28 de julho de 2014

Portugal e o passsado: a I Guerra Mundial em Moçambique

Lamentava eu, há dias, o escasso interesse dos media portugueses pela nossa participação na I Guerra Mundial. O Público, no entanto, tem fugido à regra. Hoje, Manuel Carvalho assina um artigo notável, aliás o primeiro de uma série que promete, sobre o conflito em Moçambique. Assente numa investigação que levou o jornalista a visitar os locais de combate e a revisitar os testemunhos coevos, o trabalho promete alterar bastante a imagem de uma guerra pouco sangrenta, ao contrário da europeia, e de um colonialismo legitimado pelos "direitos históricos" no terreno.
Apesar de pouco estudada (o historiador Marcos Arrife chega a dizer que "o soldado desconhecido de África é bem mais desconhecido do que o da Flandres"), a guerra colonial é decisiva na história da I República. Não só porque morreram mais portugueses em África do que na Flandres, mas também porque a defesa das colónias foi o motivo principal para declararmos guerra à Alemanha. Até contra a vontade da Inglaterra, dizem as más línguas. Com boas razões. O exército português estava mal preparado, as infra-estruturas no ultramar eram quase inexistentes e a campanha de Moçambique, desde o desembarque dos primeiros 1500 homens em Porto Amélia, foi um desastre. O relatório posterior do seu comandante, o coronel Massano de Amorim, ilustra a a distância entre a realidade e a mitologia dos Mouzinhos e Gungunhanas: "Sem caminho-de-ferro, que aqui é considerado um bluff, sem linhas telegráficas, sem estradas, sem força militar... com ratoneiros e bandidos em vez de polícias e sipaios, sem protecção de espécie alguma aos indígenas... não é para admirar que à data da expedição do meu comando aos territórios da Companhia do Niassa [a concessionária da zona] os postos administrativos fossem uma vergonha, os militares uma irrisão, a ocupação uma mistificação, a cobrança de impostos uma violência, a subordinação do gentio uma utopia e a viação um esforço grosseiro." Ah, o som e a fúria... O desconcerto do soldado, condenado a uma missão impossível, arrancava-lhe parágrafos que podiam ser do Pe. António Vieira.
Não era o único a carregar na metáfora para descrever o caos. Em 1917, Brito Camacho, líder do Partido Unionista e mais tarde comissário da República para Moçambique, confessava na Câmara dos Deputados: "Não é segredo para ninguém que se têm mandado tropas para África como se não mandam reses para o matadouro". A falta de planeamento era tão escandalosa que, segundo o historiador António José Telo, o exército português registou "21% de baixas por doença nos primeiros seis meses, sem entrar em combate e mesmo sem sair de Porto Amélia".
Embora o resultado final da guerra viesse a saldar-se por uma paradoxal vitória, tendo em conta que os alemães derrotados na Europa se renderam em África, o conflito moçambicano de 14-18 teria profundas consequências na metrópole, de resto nunca vistas de perto.
No exército, em primeiro lugar, a humilhação viria a provocar um doloroso exame de consciência sobre o regime, os políticos e o colonialismo. O peso do ressentimento da tropa no golpe de Estado de 1926 é uma hipótese a pedir investigação. Vejam-se, por exemplo, as linhas que o General Gomes da Costa, nada mais nada menos que o homem forte do 28 de Maio, dedica em 1918 à última campanha da guerra ultramarina, que ele próprio comandou: "Não se conhecem nem os recursos militares das colónias, nem os seus recursos económicos, nem a sua topografia; nem há cálculos feitos para a quantidade de víveres necessários para um dado número de homens; nem estudo da ração mais própria; nem contratos ou combinações para os fornecimentos a fazer com regularidade; nem fixação das formas de acondicionamento; nem estudo dos nossos navios para se conhecer o que cada um pode transportar em homens, animais e carga; numa palavra, nada há feito, nada se sabe, para nada serve."
Não conheço retrato mais demolidor, à época, do esforço bélico e colonial do país. Dez anos depois, nem tanto, os generais derrubavam a I República e iniciavam uma ditadura que, ironia das ironias, também viria a cair por causa de uma guerra africana. Talvez o Estado Novo esperasse, da sua guerra, a redenção da que o antecedera. Talvez o trauma fosse demasiado para uma pequena nação com sonhos de grandeza. Simbolicamente, o monumento aos mortos da I Guerra em Mecula, Moçambique, foi erigido apenas em 1969 - em plena guerra colonial. Nem sempre a história se repete primeiro como tragédia e depois como farsa, ao contrário do que escreveu Marx. Por vezes, é uma sucessão de tragédias.

1 comentário:

  1. Caro Pedro
    è bem verdade que se amndavam os soldados Portugueses para as camapnhas de àfrica em piores condições do que as reses iam para os matadouros. Quando li "os fantasmas do Rovuma" fiquei arreoiado oelo desprezo pela vida humana que aquela 1ª república tinha, ao querer legitimar-se.
    Morreram tantos Portugueses nas campanhas de ´
    Africa como na Flandres, so que aqueles não t~em estátuas nem são recordados. Como ouvi no outro dia o F R Menezes dizer na televisão, emÁfrica , ao contrário da flandres, nem os hospitais e apoios dos aliados tínhamos: foi um fartar vilanagem.

    Abraço

    Vasco Silveira

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