quinta-feira, 19 de junho de 2014

O brave new world


O Público retoma hoje uma passagem polémica da entrevista que Joaquim Azevedo, coordenador do grupo de trabalho sobre natalidade nomeado pelo Governo, deu ontem à Antena 1: a denúncia de que algumas empresas obrigam as trabalhadoras "a assinar declarações de que não vão engravidar nos próximos cinco ou seis anos". Teresa Morais, Secretária de Estado da Igualdade, apelou entretanto à denúncia de casos concretos, um apelo que prova, se necessário fosse, que não será a existência de uma "Secretaria de Estado da Igualdade" a resolver o problema. Só um político não percebe porque é que ninguém denuncia casos concretos: a primeira mulher que o fizesse passaria a trabalhar no inferno - ou seria sumariamente despedida.  É por isso que a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, outra instituição cujo nome representa só por si uma bandeira branca, diz que já recebeu vários pedidos de esclarecimento sobre a legalidade de tais documentos, mas nenhuma queixa formal.  Ó meus bons senhores, será mesmo necessário um papel para que a realidade vos entre pelos olhos dentro?
Em Portugal, a maternidade é o maior factor de discriminação no mercado de trabalho. E, tal como outros brandos costumes que todos conhecemos e todos fingimos ignorar, não é por a coisa ser invisível que deixa de existir. Sei, por experiência próxima, que muitas vezes nem sequer aparece um papel, de resto estranho - de tão obviamente ilegal - prurido do empregador. Basta uma piada assassina na entrevista, uma dead line anunciada na véspera, uma queixa vaga contra quem sai mais cedo (ou seja, a horas).
Os partidos de esquerda, honra lhes seja, costumam ser mais sensíveis à questão, embora com o irrealismo de sempre. No mesmo dia em que a denúncia de Joaquim Azevedo foi conhecida, o PCP apresentou três projectos-lei sobre "direitos laborais de trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes". A direita, que tanto se preocupa com a quebra da natalidade e o futuro da segurança social, anda mais atarefada a flexibilizar as célebres leis do trabalho que impedem a criação de emprego.
O brave new world.

2 comentários:

  1. A Maioria, preocupadíssima, decerto, com a "criação de emprego" (uma "criação" ex nihilo, imagino), sempre zelosa, sem pestanejar, acaba de "chumbar" os tais projectos-lei. Nem sequer se absteve.
    (Na tua versão de ontem, tinhas 'as leis do trabalho comunas que impedem a criação de emprego'.)

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